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terça-feira, 16 de outubro de 2012

RETRATO, CALUNGA E PERIGO, OS JUMENTOS NOSSOS IRMÃOS


    Uma das coisas da minha vida de infância, que nunca saiu de minha memória, foram os jumentos denominados pelo meu pai, de Retrato, Calunga e Perigo. Naqueles idos de tenra idade, a gente se valia de nossos irmãos, como bem o disse o saudoso Luiz Gonzaga em uma de suas músicas, de que "os jumentos eram nossos irmãos". O jumento como força de mão de obra pesada para ajudar nos nossos afazeres, era de salutar importância para ganharmos míseros trocados. Naquele época, em fins da década de 50 para início e meados da de 60, meu pai, meu irmão Miltinho e eu, que sequer aguentava pegar peso, carregávamos água potável de ganho, das cacimbas do Sítio Cigano, que pertenceu ao meu avô, para os mais abastados de Buíque, além de tijolos, lenha, seja lá o que fosse para que pudéssemos ganhar o quase nada para o sustento familiar. Os apetrechos rústicos utilizados à época para que pudéssemos executar esse tipo de trabalho, era uma cangalha, confeccionada com palha e umas espécies de forquilhas de madeira, para se adaptar ao lombo do animal, duas caçambas e quatro latas de água utilizadas por querosene jacaré, que depois de lavadas e bem limpinhas, se prestavam muito bem para o nosso desforço diário. Quanto o trabalho era carregar lenha ou tijolos, se utiliza umas espécies de forquilhas para lenha e, as caçambas, para o carrego de tijolos. Era um deus nos acuda, principalmente porque sequer podia ainda com o peso de uma lata de água carregada de cerca de vinte litros maios ou menos. Era quatro latas de água por jumento em cada viagem do Sítio Cigano para à cidade. Na ida da cidade para o Sítio Cigano, como a carga ia vazia, a gente montava na garupa do animal, mas na volta, vínhamos andando à pés tangendo os bichos. Mas o que mais me marcou mesmo nesse tempo de vacas magras, foram mesmo os jumentos que meu pai possuía naquele tempo, que os denominou de Retrato, Calunga e Perigo.
   Meu pai gostava muito de animais. Cuidava deles como a um filho e, costumava sempre, quando adquiria um animal, de colocar um nome em cada um deles, por isso mesmo, os jumentos que me marcaram mesmo, foram Retrato, Calunga e Perigo. Retrato era um jumento mais avantajado, bonitão, forte; Calunga, era mais meigo, menor, mas Perigo, era um animal cinzento, forte, do mesmo tamanho que Calunga, mas era extremamente arisco e perigoso. Sem pestanejar, não podia ver uma jumenta, que saia como louco atrás do sexo oposto, como certos seres humanos galinhas. Certa feita, no local onde hoje moro, fui montar no lombo em pelo de Perigo e vi quando ele foi atacado por um mangangá, e por isso mesmo, não deu outra, ele rodopiou feito os diabos, deu popas infelizes levantando as patas trazeiras, que terminou por me estatalar ao solo, que se não me engano, fiquei desmaiado por cerca de um meia hora, depois ele se acalmou. Na verdade, o jumento Perigo, era mesmo um estopim prestes a explodir, de tão perigoso que era, daí o seu nome Perigo, dado por meu pai. Com esses animais ganhávamos alguns trocados para poder ajudar no sustento familiar e olha, que eu deveria ter tão-somente menos de dez anos de idade, mesmo assim, trabalhava para ajudar a minha família, que na verdade, apesar de virmos de uma estirpe familiar tradicional de Buíque, poder-se-ia dizer, que éramos a parte pobre dessa estirpe, mas nem por isso, deixei de ter forças, assim como os meus irmãos, para lutar e chegar um dia a ter um lugar ao Sol. Se melhor não fiz, foram as circunstâncias da vida ou talvez não tenha sabido aproveitar devidamente as oportunidades que a vida chegou a me oferecer de tempos em tempos. Tudo na vida, em parte, é questão de oportunidade e, claro, contar com um pouco de sorte e força de vontade para o atingimento de um objetivo de vida. É assim que o andor da carruagem da vida anda. Ninguém pode um dia ser alguém na vida, se não vai à luta. Ser desonesto, sair da linha, só mesmo para os fracos e que não acreditam que para tudo na vida sempre há de se ter uma luz no final do túnel.
     Outro animal que também me marcou, foi um burro branco com pintas pretas, bem vistoso, adquirido por meu pai, quando voltamos de São Paulo, em 1972. A esse animal ele deu o nome de Gaúcho. Não sei por qual razão dos nomes a cada animal, mas de uma coisa curiosa, o interessante, é que chamados por seus nomes, cada um deles que fosse, eles sempre vinham em direção ao meu pai. Gaúcho, por ser burro, que de certa forma, por vir de um cruzamento de cavalo com jumenta, é sempre um animal arisco, do tipo não me toque, mas Gaúcho era completamente diferente. Era manso e o interessante, é que, quando meu pai chegava numa cerca que limitava o cercado onde ele colocava o burro e, no seu jeito de chamar o animal, quando gritava o nome de Gaúcho, ele vinha em disparada em direção ao meu pai. O interessante é que o meu pai sabia muito bem se comunicar com os animais. Sempre foi carinhoso e cuidados com os seus animais, daí o seu apego por eles e vice-versa. O interessante é que Gaúcho ele utilizava numa carroça e, vez por outra, tomava umas e outras montado na carroça, amarrava gaúcho numa árvore ou num poste de luz e ia numa bodega qualquer, enquanto o animal pacientemente o esperava até que ele terminasse de tomar as suas talagadas. Apesar de ser um homem rústico, praticamente semi-analfabeto, meu pai para mim, apesar dos seus defeitos, que ninguém na realidade pode-se dizer, ah! que perfeito que eu sou!, era na verdade um grande pai, apesar da forma rudimentar e carrancuda com que criou à família, mesmo assim, meu pai foi para mim um exemplo de vida. Já doente e nos últimos anos de sua vida, acometido por uma trombose que lhe deixou com um braço imóvel, cada filho já procurando se acomodar com a sua própria vida e morando noutros lugares, quando chegávamos aqui em Buíque, de onde ele nunca saiu, a não ser na década de 60 para início da de 70, para São Paulo, era uma alegria para ele e, quando voltávamos, tínhamos que sentir a dor no peito, no coração, quando ele abria o chororô, àquela cena, nunca mais saiu de dentro de mim, pois me doía ter que deixá-lo sozinho. Pior ainda, foi sentir a dor de sua partida, em 1989, faltando apenas dez dias para completar setenta anos de idade. Sei que onde ele estiver, ainda está cuidando muito bem de seus animais, que também não mais existem, Retrato, Calunga, Perigo, e o seu famoso burro, Gaúcho. Às vezes fico a olhar na direção da porta trazeira de minha residência, e imagino a cena, meu pai gritando por Gaúcho, e o burrinho de imediato saindo em disparada em sua direção. A meu pai, minha eterna gratidão por tudo na vida, da mesma forma minha mãe, que também foi uma heroína, pelos desforços que fez para nos criar e educar, da mesma forma também, a minha eterna gratidão por tudo que fizeram por nós para que chegássemos a ser, mesmo que modestamente, o que somos.

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