Esses fatos que
vou narrar nessa história de vida, posso adiantar, como se fora um conto
particular de minha infância, mais parecido com uma das poesias dos recitais do
nosso grande poeta, Jessiê Quirino, “Paisagem do Interior”. Era um tempo que o
único gelado que tinha e isso quando a gente do Sítio Cigano, vinha para à
feira de Buíque, nos dias de sábado, era o famoso “picolé”, que na verdade era
acondicionado num objeto arredondado ou em forma de cubo, feito de alumínio, com
uma tampa quadrada ou redonda na parte superior e conservado na base de pedras
de gelo. Achava tudo aquilo muito interessante, e passava a indagar a mim
mesmo, de como era feito tudo aquilo, o picolé saboroso, o gelo e como fazer
para tudo assim de repente, não se derreter, se desmanchar em água de uma hora para outra.
Naqueles tempos também, o que mais se
via era menino de um lado e de outro, com uma tábua de pirulitos, sustentada
por um cabo de madeira, encostada em dos lados do ombro, ou com uma guarnição
de madeira, retangular, cheia de quebra-queixo. Uns de um lado, outros de
outro, gritavam quase em uníssono, fazendo a sua propaganda: Olha o
quebra-queixo, olha o pirulito! E isso repetidamente para chamar a atenção de
seus fregueses e venderem os seus produtos. Era uma delícia chupar àquele
pirulito feito tão-somente na base de mel de açúcar e água, até ao ponto de se
tornar o pirulito, que era colocado numa pequena lasca de madeira, uma espécie
de palito, coberto com um papel de embrulho, que em muitos vezes, por se encontrar
tão grudado, quase não saia por completo, mesmo assim, a gente deglutia com
resto de papel e tudo. Já o quebra-queixo, também era feito na base do mel do
açúcar, mas tinha o ingrediente coco, que ficava uma delícia, mas que comer
quebra-queixo era literalmente, de quebrar o queixo, disso não me resta a menor
dúvida. Era umas das minhas principais ansiedades de sair do Sítio Cigano para vir
à feira dos sábados, para saborear um picolé, isso quando este vinha de Rio
Branco para nossa cidade, ou então chupar um pirulito e comer uma talhada de
quebra-queixo enrolado também, num papel de embrulho.
Acredito que, quem não viveu esse
período, do picolé acondicionado numas espécies de toneis ou cubo quadrado de
alumínio, não muito grandes; dos pirulitos carregados numas tábuas pelos
moleques de rua e dos famosos quebra-queixos, passou pela vida e não viveu o
purismo do que era na verdade tudo aquilo e para quem era do sítio como eu,
matuto ferrenho, tudo àquilo para mim, era novidade. Meu pai, como era cobrador
de feira, tendo se aposentado até sua morte, como servidor público municipal de
Buíque, isso porque meu avô, Mané Modesto, tinha grande influência política
junto aos coronéis da época e arrumou esse emprego público com os políticos daqueles
idos, porque concurso público, não existia ainda não e quem arrumava alguma
besteira, por que quem não fosse mascateiro, vivesse da agricultura ou tivesse
uma bodega ou uma loja para vender tecidos, outra atividade não existia em
Buíque, a não para os jovens, aprenderem os ofícios de sapateiros ou de
pedreiros, porque outra atividade não existia ainda não. Minha mãe e meu pai, criavam
umas vaquinhas para tirar leite, para consumo de nós mesmos e nunca deixaram de
plantar um roçado de milho e feijão, isso quando o ano era bom, quando não, nem
isso existia. Lembro que muitas vezes, nossa mistura no almoço de somente
feijão e farinha, era caju, quando de sua época e, no jantar, quantas não foram
às vezes que minha mãe fazia beiju ou tapioca para o jantar e isso nos deixava
satisfeitos para enfrentar um outro dia que se avizinhava dia após dia naquelas
brenhas, porque de casa, praticamente, só tinha a nossa mesma, a não ser de
outros vizinhos, mas sempre distantes umas das outras. Era um isolamento só.
Uma das coisas que me deixou marcado
também, foi o de fumo de corda, que meu pai, quando vinha para à feira de
sábado, não poderia deixar de levar para minha mãe fazer os seus cigarros com
um papel branco bem fininho que comprava também na feira e, quando não existia
o papel, se valia mesmo, da palha de espiga de milho seca, que ela prepara
justamente para fazer o cigarro de fumo de corda, que meu pai comprava um bom
pedaço para durar à semana inteira. Outro ingrediente importante era o
querosene jacaré, que também não poderia faltar, para colocar nos candeeiros,
para iluminar as escuras noites de nossa rústica casebre. Dormir, como nada tinha
para se fazer e, principalmente nas noites de escuro, depois de ouvir algumas
histórias de trancoso contadas pela minha mãe, a gente ia dormir numa rede, ter
pesadelos com duendes, para no outro dia, recomeçar tudo de novo. Às vezes
ficava a brincar no denso solo recoberto por um areial finíssimo, isso quando
não tinha que ir juntamente com minha mãe, para o cabo da enxada, limpar o mato
na roça. No mais, naquele triste mundo desconhecido, era brincar dentro do
imaginário infantil com o que a nossa rudimentar mentalidade pudesse vir a
imaginar dentro de nossa simplicidade de vida e até cheguei mesmo a acreditar,
que por àquelas brenhas, se iria chegar um veículo, quando as galinhas criassem
dentes, era o que minha mãe dizia.
Foi esse o meu mundo infantil, pelo
menos uma partícula, porque a gente que nasce e cresce num ambiente desses, tem
muita coisa na vida para contar, porque moldado na dureza da vida, desta tirou
lições que irão com a gente até o último suspirar de nossas vidas e eu, jamais
esquecerei de minha modesta e rude vida de pobre, desmazelado, um qualquer
desconhecido, mas com muito amor por parte de meus pais, porém às vezes rudes,
mesmo assim souberam nos dar, o que muitos que foram bem criados, não tiveram,
que foi o bom caráter moral, o qual sem eles, certamente não teríamos de jeito
nenhum e isso, vale também para meus irmãos. Meu pai, em algumas
circunstâncias, pode até ter exagerado, mas nem por isso, deixou de ser um
grande pai e, de minha mãe, sempre voltado com mais afinco e dedicação, assim
como uma loba protetora, para com os nossos cuidados, sempre foi divina e
grande mulher e isso, ela nunca abriu mão e era carrancuda e não guardava o que
queria e tinha para dizer. Sempre foi dura e direta quando buscava falar a
verdade para os embusteiros que também existem naquela época. Minha mãe era
durona e não alisava a mão de gente sem-vergonha e cabra safado. Não fosse ela,
acredito que sequer teríamos nos alfabetizado, não que meu pai não se
preocupasse, mas minha mãe foi quem colocou os pés pelas mãos, para que a
família passasse a morar na cidade, para que pudéssemos estudar, aprender as
primeiras letras e isso foi feito, acredito lá por volta de final da década de cinquenta,
quando então passamos a morar num casebre em frente à cadeia pública de Buíque,
onde hoje é a Escola Carrossel. Mas nesse período o que me marcou mesmo, entre
tantos outros momentos e fatos importantes em minha vida de criança, sem
esquecer dos famosos picolés de Rio Branco, foram os deliciosos pirulitos e os
famosos quebra-queixos, que não abria mão de prová-los quando nos dias de feira
em Buíque. Velhos, singelos, rudimentares tempos que não voltarão jamais, mas
que, até o último abrir e fechar de olhos, sempre estarão povoando o interior
de minha mente.
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