Desde tenra idade que tenho ouvido falar de jarros. De certa forma, jarros sempre fizeram parte da minha vida. A minha mãe sempre tinha um jarro para enfeitar, dar um brilho especial em um ambiente lúgubre e rústico que era o paupérrimo casebre onde morávamos em cada lugar em que vivemos no decurso de nossas vidas, quer no Sítio Cigano, quer na rua São João, na rua Amélia Cavalcanti, no Sítio Padre Teixeira (hoje av. Cel. José Emílio de Melo), em Buíque; quer nas localidades periféricas onde residimos em Ribeirão Pires , Estado de São Paulo; quer na Vila Ema, rua A, 66 (nunca esqueci esse sessenta e seis em minha vida), em São Paulo , capital, onde sempre tive a presença de um jarro. Podia ser de barro, de louça, sem brilho, reles, rústico, mas sempre tinha que ter um jarro.
Logo no início das nossas vidas em Buíque, minha mãe gostava de cultivar plantas ornamentais, rosas e cravos, que usava para enfeitar os jarros. Quando um jarro quebrava eram cacos para todos os lados e não adiantava juntá-los. Em certas condições era jogar os cacos no lixo e providenciar outro jarro, para que o nosso singelo lar não perdesse as rústica beleza e simplicidade, mas que um jarro tinha que existir, isso tinha. Era coisa de minha mãe. Ela cantava uma música que dizia mais ou menos assim: “..../Aí, cadê o jarro/O jarro que eu plantei a flor/Eu vou lhe contar um caso/Eu quebrei o jarro e matei a flor/Que saudade/Que saudade/Você bem que sabia/Que no jarro de barro/Eu plantei a saudade....” - Não lembro muito bem, pois isso faz muito tempo, mas era mais ou menos assim mesmo essa canção. Só sei que enquanto ela cuidava da labuta diária, cantarolava, cantarolava e não parava de cantar. Era trabalhando e cantando. Talvez assim agisse minha mãe, para diminuir o sofrer, a dureza de vida que ela e meu pai tinham que enfrentar para nos criar e educar. Então, enquanto trabalhava cantava para, como se diz, espantar os seus males.
Atualmente me vêm essas lembranças que me fizeram voltar a esse objeto sem muita importância, mas que se olharmos direitinho a gente tem sempre um jarro em nossas vidas, não como um jarro de barro ou de louça, mas todos temos um jarro. No momento de minha vida estou diante de um jarro, não como o disse, de barro ou de louça, mas é como se fossem os jarros do passado ou um deles, que adornavam e enfeitavam o nosso rústico ambiente de moradia. O meu jarro é algo imaginário que estava enfeitado de flores, rosas e cravos dos mais belos jardins e que de uma hora para outra se quebrou, espatifou-se como que por encanto e os seus pedaços em estilhaços se espalharam em cacos por todos os lados. Parecia até um jarro indestrutível, inquebrável, mas não, no final vim a perceber tratar-se mesmo de um jarro de barro, chinfrim, como àqueles usados pela minha mãe para enfeitar o nosso singelo lar. Quebrou. Senti. Sofri. Sofro. Sinto. Chorei, choro e pensei em juntar os cacos do alquebrado jarro que a ele toda minha vida dei, mas no lamento, na dor, no desespero, percebi ser tarefa difícil juntar os cacos desse jarro, sobretudo, quando só há uma vida procurando fazê-lo na tentativa de juntar os cacos dispersos. Pensei, pensei,...., meditei em meu refúgio de meditação e atentei bem para o que um velho amigo me disse recentemente, diante da minha tristeza, da minha dor, do meu sofrimento e do meu desespero: “....amigo dileto, diante de todo esse estrago, desse sofrimento, dessa sua dor, não seria melhor você construir um novo jarro?...” - Ruminei, relutei, mas em minh’alma perturbada, abalada, não dei maior atenção para o que o amigo me falou, mas como não posso mais continuar nesse sofrer, nesse penar e nessa depressão que corrói, que destrói e está acabando aos poucos com o meu eu, com o meu ser, o meu espírito, estou seriamente pensando em construir um novo jarro, ao invés de juntar os cacos do velho com as suas flores e cravos murchos. O melhor mesmo é construir um novo jarro, crescer em profundidade de minh’alma, aperfeiçoar meu ser, o meu eu, melhorar as minhas visão e sentimento de mundo, pois é no sofrimento e na dor de onde tiramos muitas lições de vida; vencer na vida no vigor da minha existência e esquecer de vez o velho jarro de barro, afinal, juntar seus cacos, pelo visto, será tarefa quase impossível e a vida tem que continuar.
A vida é assim. Às vezes voltamos a um passado que sempre esteve presente. Fazia tempo que um jarro não vinha às minhas lembranças, como os da minha mãe. No momento, por ironia do destino, lembrei-me dos jarros que a minha mãe usava como enfeites no passado dos nossos rústicos lares onde moramos nos diversos lugares por onde passamos e, como que num paradoxo da vida entre àquele passado e o presente vivido, entre o concreto e o abstrato, surge a figura escura, fria, rústica, de um jarro, de alguns jarros da vida e vejam que de certa forma as coisas se encaixam. O jarro, as flores, os campos, os jardins, o cantar dos pássaros, a água a jorrar da fonte, tudo - tudo isto é vida e viver, vontade de viver e construir um novo futuro deve sempre ser o maior desejo a ser perseguido e alcançado por todo ser humano, como que usando as habilidades das mãos, a vontade d’alma, a determinação do ser, do existir para construir das cinzas um novo jarro da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário