QUEM REALMENTE SOU

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BUÍQUE, NORDESTE/PERNAMBUCO, Brazil
A VERDADE SEMPRE FOI UMA CONSTANTE EM MINHA VIDA.

domingo, 3 de julho de 2011

O VENTO QUE SE ESVAI COM O TEMPO


Corria certamente o início do ano de 1951, acredito que por aí, acho que já estava prestes a ser gerado, ou certamente já encontra-me em gestação nas entranhas de minha mãe. Morava no Sítio Cigano, em Buíque, praticamente nuns confins de Judas que só tinha mesma a minha rústica casa isolada a uma certa distância das vizinhanças, que naquela época também não tinha praticamente ninguém e eram raras. A caatinga braba era quem nos rodeava e, à noite, em Lua Nova, era como nos deliciávamos a brincar nas finas areias do velho sítio onde morávamos. Sei que no primeiro trimestre de 1952, nasci, suspirei o primeiro ar rarefeito do mundo exterior e pelas graças divinas, cheguei a me criar. Sofri muito com as agruras da vida e a pobreza de meus pais, que na época morávamos numa rústica casa da região rural de Buíque, e apesar de sermos de origem de uma das tradicionais famílias de Buíque, éramos a banda pobre da família. Dificuldades foram tantas. Cheguei a levar uma queimadura em cima da mão esquerda, num fogão de tijolos ativado à lenha para fazer a rara alimentação para nos saciar a fome. A queimadura ocorreu, porque menino treleso, inventei de mexer no fogão de lenha, enquanto minha mãe cuidava de outros afazeres e um dos tijolos quente em brasaa, caiu em cima da minha mão. Não lembro das dores que sofri em função dessa queimadura, porque era muito pequeno, mas o que dela ficou foi a parte de cima da mão enrrugada que não desaparecerá enquanto vida tiver. Das dores que sofri, tenho conhecimento porque minha mãe sempre me contava e também do trabalho e sofrimento dela para cuidar de mim. Era um Deus nos acuda.
                             Pelo que soube tempos depois, éramos treze ou mais, mas só sobramos seis, em virtude dos abortos, à falta de médicos, da distância em que morávamos do sítio para à rua, assim mesmo, o que tinha em Buíque era somente o Posto de Tracoma, que era chefiado por Dr. Zé Cursino, onde fica a atual Casa de Saúde Senador Antônio Farias. Parece-me que era o único Doutor da cidade e que em 1952, se tornou prefeito, chegando inclusive a calçar o centro, onde hoje é a Praça Major França e Vigário João Inácio, a ponto de sua mãe chegar a dizer, Dona Cecília Cursino, que o seu filho “Zé Cursino”, houvera tirado os porcos da lama. Os porcos era o povo de Buíque e a lama era a que existia nas imediações da Igreja Matriz de São Félix de Cantalice, que segundo quem viveu à época, era um atoleiro quase intransitável até mesmo por pedestres, que carros eram coisas raras, assim mesmo, daqueles que para ligar o motor, se tinha que rodar uma manivela acoplada em frente do motor e rodar até que o motor pegasse.
                        A vida era de um sofrimento indescritível e ímpar. Eram raras as vezes que a gente tinha um naco de carne para servir de mistura para matar a nossa fome. Éramos mesmos pobres de Jó. Minha mãe, sempre uma grande batalhadora, sempre buscava no cabo da enxada plantar alguma cultura de subsistência e criava galinhas de capoeira, ora para nos alimentar, ora para vendê-las no final de ano para comprar as nossas roupas em Rio Branco (hoje Arcoverde) das festas natalinas. A vida era dura. Energia elétrica não existia, pois isso só veio mesmo aparecer no meio rural, no Programa implantado por Lula, Luz Para Todos. Na cidade também, a luz era na base do candeeiro, que era queimado à base de querosene Jacaré. Quem dos mais velhos não lembra do tão conhecido Querosene Jacaré? – Nos deliciávamos mesmo, quando a minha mãe comprava aquelas sardinhas vendidas na época, em latas, as chamadas hoje, “pior sem elas”, mas que para nós, não existia coisa mais gostosa para comer com feijão, farinha, fazendo “bolinhos” nas mãos ou carne de Ceará (Charque). Éramos filhos de Deus, mas esquecidos do mundo. O Sítio Cigano era praticamente isolado da cidade, principalmente no inverno, período em que a estrada vicinal de acesso para à cidade, ficava completamente encharcada de água e lama. Só mesmo à pés ou em jumentos, é que chegávamos até à cidade. O Cigano pertencia a meu avô, Mané Modesto, mas como as terras eram de ruim qualidade, um areial danado, não tinha valor alguma naquela época, nem mesmo para o cultivo de milho e feijão, como culturas de subsistência serviam, a não ser nas proximidades da cacimba de água mineral, que ficava bem próxima do casebre onde nasci, era que existia uma plantação de bananeiras, cajueiros e alguns manguezais. A água, por ser mineral, servimos por muito tempo ao povo mais abastado da cidade, que nos comprava como água potável, sendo transportada por jumentos em que montávamos uma cangalha, duas caçambas e quatro latas de vinte litros de água, para vender, após andar seis léguas, por vinte cruzeiros ou algo desse tipo, que era a moeda da época. Hoje qualquer pedaço de terra no Sítio Cigano, vale ouro. A casa que nasci, nas proximidades da cacimba de água mineral, não mais existe, mas sim, plantações e mais plantações de mandioca e, o que era antes o meu espaço de vida, se esvaiu com o vento, levado pelo tempo. Da cacimba, sequer sei mais se existe ou não. Só sei que o Cigano hoje é utilizado com uma empresa da mandioca, para o fabrico de farinho e seus derivados.
                                Falar desses fatos do passado, das tantas e tantas dificuldades que na vida passei com a minha família, me trás de um passado de dor e sofrimento, mas também, daquilo que da pedra, do ferro que me feriu, me fez ser a pessoa que hoje sou. Não tenho vergonha do meu passado, mas sim, muito orgulho dos pai e da mãe que tive e de tudo isso como lição de vida, além, claro, dos meus irmãos, que mesmo em circunstâncias tais, jamais enveredamos para o vandalismo, para o banditismo ou para o rancor seja com relação a quem quer que seja.   Indigna-me hoje, quando ouço alguém dizer que sou isso, sou aquilo, que as coisas vieram graciosamente cair em minhas mãos e de minha família e fico a falar com os meus botões, que da vida, quem está falando, nada conhece do que fui, do que lutei e do que sou, para chegar até aqui com a cabeça erguida e de quem lutou na vida para buscar pelo menos não a luz completa do Sol, mas pelo menos uma fagulha de luz e isso, já é de bom tamanho. Por isso mesmo, apesar de reclamar por uma coisa ou outra, tenho mais é que agradecer por estar ainda aqui neste mundo, podendo bradar bem alto, que me maldizer não posso, porque mesmo não tendo completado o ciclo da vida, ainda assim, SOU UM VENCEDOR DE VERDADE, porque tenho uma história de vida para contar, coisa que muitos olham para trás e nada veem a não ser um passado negro e escuro, sem sequer uma fagulha de luz. História tem, quem pela vida passou, viveu, lutou e chegou em algum lugar, mesmo que não seja ainda o lugar desejado ou mesmo até que ainda não tenha complementado a sua missão nesta vida. Essa é só uma parte de minha vida, minha história. Por isso mesmo é que sempre tenho dito: história tem, quem história viveu dentro dos ensinamentos da vida e por tudo que nela passou e viveu como se fora de ferro e da mais pura fina flor.    
   Acima, foto de Manoel Modesto, aos 20 e poucos anos de idade                      

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