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BUÍQUE, NORDESTE/PERNAMBUCO, Brazil
A VERDADE SEMPRE FOI UMA CONSTANTE EM MINHA VIDA.

domingo, 13 de novembro de 2011

BUÍQUE DE MINHA INFÂNCIA, MINHAS TRISTEZAS E DE MINHAS SAUDADES


Casa da Paróquia de São Félix de Cantalice, vizinha à Igreja.
            Vivi uma infância de muitas tristezas e sem muitas novidades, afinal de contas, tendo nascido no Sítio Cigano, onde meu pai e minha mãe moravam, zona rural de Buíque, a vida foi por demais severa não só comigo, mas também, com meus pais e demais irmãos e irmãs. Hoje se pode até dizer, que a situação é bem diferente da vivida naquela época de início da década de 50 para a de a de 60, mas o nosso Buíque tinha traços históricos mais marcantes, definidos e bem mais interessantes que os dos dias atuais. Nossa cidade hoje é o resultado de um monstrengo deformado pela especulação imobiliária e da visão usurária financeira de nossos potentados comerciantes, que pouco ou nada estão se lixando para os fatos marcantes da nossa história. 
           No lugar onde  hoje é a Casa de Saúde Senador Antonio Farias, era um acanhado Posto de Saúde de Tracoma, que cuidava dessa doença que ataca os olhos sem dó nem piedade e era muito comum naquela época. Se não  me engano, foi construído na gestão de Dr. Cursino, quando prefeito de Buíque na década de 50. Outro local de atendimento médico não existia. O povo era atendido praticamente pelo único médico da cidade que era Dr. Cursino e existia também um enfermeiro famoso, seu Pereira, que em muitos casos fazia as vezes de médico, inclusive quando o meu irmão Miltinho quebrou um braço, quem fez as vezes de médico foi esse enfermeiro, que ao invés de gesso, colocou o braço de meu irmão envolto por papelão, dependurou-o numa tipoia, e o danado é que o braço foi curado e ficou tudo direitinho no mesmo lugar, além das parteiras que eram quem faziam os partos, como uma preta velha, que fez o meu, lá nas brenhas do Sítio Cigano. Era muito comum nesse momento crucial da mulher, se ouvir dizer comumente, da morte de mulheres por parto, porque a deficiência médica era extremamente precária e inexistente. Hoje tem médicos demais, mas o atendimento ainda continua uma lástima. Coisa grave aqui não se trata, só se for coisa de injeção para debelar alguma dor, se fazer um curativo ou se tomar um comprimido, que muitos ainda chamam de cachete, porque de outra necessidade médica não se cuida.
                Fui um dos viventes de uma época que ainda chegou a conhecer o chamado "barreiro velho", o famoso Açude da Penha, que ficava por trás do Açougue Público, que já arquejava de agonia com tanta sujeira e lixo, que não mais servia sequer para a molecada tomar banho. Também de prédios públicos, cheguei a conhecer a Biblioteca Municipal antiga, que ficava onde hoje é o Fórum de Buíque e, o local do antigo Fórum, que funcionava onde hoje é a Câmara Municipal de Vereadores. Alcancei também a casa onde morou Armando Cursino, que era o dono de um dos dois ônibus que fazia a linha de Buíque a Arcoverde, isso porque, o outro era de seu Zuquinha, de Santa Clara. Só existiam dois ônibus usados como meio de transporte. Armando Cursino, pelo que se dizia não funcionava muito bem da bola e segundo se comenta, costumava dizer, "que não precisava nem segurar na direção do seu ônibus, que ele já conhecia o caminho", pelo fato de todos os dias fazer o mesmo trajeto. A sua casa, que era localizada na rua central e  ficava ao lado da Casa Santo Antônio de Pádua, foi indenizada e derrubada para alargar àquela artéria urbana, porque antes ali, era um beco estreito de poucos metros, somente utilizado para passagem de pedestres, menos de veículos, até por que quase não existiam veículos em circulação na cidade. A mudança veio com o avanço dos tempos e o pequeno beco passou a ser o que é hoje.
          Um dos meios de transportes de Buíque, foi por um certo tempo, as chamadas "marionetes" de seu Zuquinha, meio de transporte coletivo semelhante hoje, digamos assim, aos tipos de "vans", mas com uma aerodinâmica bem característica daquele passado que vivi. Pareciam umas baratinhas. Era um Buíque bucólico, atrasado, em que de escola pública, só existia mesmo a que foi derrubada por Anibal Cursino na década de setenta, que ficava entre a praça Vigário João Inácio e Major França, que fora construída na década de 40 e onde vim a aprender pelas mãos da durona professora primária, Dona Aderita Cursino, que não tinha compaixão de ninguém não senhor, as primeiras letras. Com Dona Aderita, comeu, não leu e não fez direito a lição de casa, o pau e o castigo comia sem dó nem piedade, que era na base da palmatória e ficar de joelhes na parede da frente de dentro da escolha, aproximo do quadro-negro, e de costas para à classe, às vezes até ajoelhado em cima de caroços de milho ou de feijão. Puxões de orelha também não se contavam. Bastava dizer que um coleguinha estava de namorico com um dos meninos, que o cancão piava.    
           Das bodegas antigas e mercearias, as que mais me marcaram foram as de Janjão, que era reconhecida pela sujeira, mas que mesmo assim, se tornara uma característica desse personagem e ficou marcada em minha memória; da de Possidônio Domingos Ramos, que ficava onde hoje é o Mercadinho de Zé de Né; do comércio próspero de seu Pergentino Domingos Ramos, que ficava na avenida coronel Antonio Cavalcanti, onde hoje funciona um pequeno comercio de seu filho Paulinho e de um Salão de Beleza; a bodega de Pedro Peru,  onde hoje mora Berreca num suntuoso prédio novo, na praça Major França. A bodega de Janjão ficava praticamente vizinha à loja de Petrônio, na avenida Antonio Cavalcanti, talvez onde hoje funciona o comércio da viúva Diva, filha de Austriclínio. Outras figuras que nunca esqueço também, são as de Odilon Nopa, Badefu, o conhecido "Féli" Gostoso" , ambos bancantes de jogo do bicho e do Médico que receitava no meio da rua em papel de embrulho, Dr. Zé Cursino Galvão, que foi quem cuidou de mim, quando acometido por uma doença perigosa na época, quando tinha talvez de seis para oito anos de idade e fui curado na base de injeções de penicelina, que doía como os diabos e era preciso de três a quatro pessoas para me segurar na horas de levar a furada na bunda, que eram aplicadas por um guarda sanitarista que trabalhava em Buíque e junto com Expedito Moreira, esposa de minha falecida Tia Astrogilda. Com esse tratamento grotesco, cheguei a me curar e senão vivo fosse, talvez quem sabe, a história de Buíque seria um pouco diferente do que é. Dos personagens que conheci também, tenho muitas lembranças do músico Zé Quidite, dos folclóricos Zé Bolacha, que carrega água de galão, de Zé Comprido, Seba de seu Lau, que além de sapateiro, era ligado e  dava muito incentivo ao futebol de Buíque, entre outros que no momento me fogem à memória. Dos doidos tradicionais da cidade, que toda cidade daquela época, para ser autêntica, tinha que ter um doido ou mais, lembro de Antonio Doido, de Lulu das Covas, que só vivia acobertada por roupas sujas e imundas e tinha e um outro também, que era conhecido como Arlindo Chupetinha e a exemplo de Lulu, só vivia sujo e não tomava banho de jeito nenhum. A vida desses doidos era perambular pela cidade e serem perturbados pelos moleques trelosos da época, coisa que nunca concordei em mexer com gente doente, principalmente com doidos varridos ou com quem quer que fosse. Todos eles dormiam pelas calçadas da praça Major França, menos Lulu das Covas, que ia para o Sítio Covas, daí o seu nome. Cidade pequena também que se praza, tem os seus tradicionais bebuns e os da época, era Antonio de Nanoca e Piano, que só viviam chapados, era vinte e quatro horas no ar. Neville de família nobre de Buíque, não se sabe por qual razão, era outro que todos os dias, às cinco horas da manhã, munido de uma garrafa de pitú, se dirigia para tomar banho na barragem às margens da PE 270, de Buíque a Tupanatinga, e só voltava de a garrafa vazia e de olhos avermelhados e terminava por tomar umas e outras nos bares da cidade.
            Dos políticos de Buíque da época de minha triste e dolente infância, lembro do coronel José Emílio de Melo, Jonas Camêlo de Almeida, Zé Cursino Galvão, Anibal Cursino, João de Godoy Neiva,  e do início do primeiro governo de Blésman Modesto, em 1963, quando tinha tenros 22 anos de idade. De todos esses, só este último continua vivo e gozando de saúde e de uma vida feliz com os seus poucos mais de 70 anos idade e Anibal Cursino que já deve beirar mais de 85 anos de idade. Dos padres que passaram por Buíque, o que mais me marcou foi o alemão, Pe. José Kherler, que era conhecido pela turrice e mau humor, próprios dos alemães, que certa feita, ao ver a sua casa invadida por um menino para colher azeitonas, que existiam muitas onde ele morava, lá na avenida São João, em seu casarão todo emurado, em frente a atual Escola Duque de Caxias, tascou um tiro de sal de pedra na bunda de um moleque, que ainda gerou uma certa confusão, mas ficou depois o dito pelo não dito. O velho padre alemão às vezes me metia medo.
                Foi nesse Buíque bucólico, singelo, mas de gente cruel que existiam muitos na época, sem falar, claro, nas pessoas de boa índole que também existiam bem mais que os maus, que eu nasci, passei parte da infância e guardo nas minhas lembranças uma infância triste, de uma passado inglório, até que meu pai levou cinco tiros, que por sorte não foi alvejado por nenhum deles, que vivi nesta terra e, por isso mesmo, no limiar da minha infância para a adolescência, por esse fato e pela vida pobre e miserável em que vivíamos, fomos forçados a nos debandar para o estado de São Paulo, percorrendo a mesma estrada dos paus-de-arara e dos retirantes, que fugiam da seca braba, para aquele inferno de pedra para tentar melhorar de vida, só que, para mim, São Paulo não passou de mais uma grande frustração em minha vida, mesmo assim, foi mais uma lição de vida que recebi, um aprender e fortalecimento do corpo, da mente e da alma para se lutar, batalhar na vida e vencer. Não posse dizer, como bem o disse Luiz Wilson, arcoverdense que escreveu o livro "Minha Cidade, Minha Saudade", que esse sentimento do grande escritor da terra do Olho D'água dos Bredos, que o dominou para externar esse pensar, seja o mesmo que posso transmitir, mas mesmo tendo passado por uma uma infância vivida com muita tristeza e dor, pelo que me parece, talvez fosse eu feliz e não sabia.
              Hoje nosso Buíque está completamente mais aleijado do que àquele que foi descrito por Graciliano Ramos em seu livro Infância, isso porque, ninguém respeita a história, acabaram com os prédios antigos, a arquitetura fere os olhos de qualquer pessoa, pela feiura e falta de técnica com as construções realizadas e em andamento. É um Buíque onde sequer em determinados lugares se tem calçadas para os transeuntes andarem, isso porque, os donos das casas constroem rampas, degraus, avançam as áreas além do permissivo legal para a ocupação do solo urbano, até mesmo construindo marquises no espaço horizontal, que enfeiam de vez a cidade e pecam por não obedecerem em nada o poder público, que parece fazer vista grossa para esse tipo de violação do patrimônio histórico, artístico e cultural do nosso povo e de nossa memória. Buíque a continuar nessa pisada, no futuro vai ser uma terra prestes a se perder no espaço e no tempo de sua história, isso porque pelo visto, nada vai sobrar, a não ser esse monstrengo que teimam em fazer a cada dia que passa de nossa cidade. Muitas marcas históricas de nossa cidade já se foram, diga-se de passagem, a maioria delas e, a continuar nessa pisada, no final das contas, nada vai sobrar para se contar e mostrar aos nosso pósteros. Até a casa do clã da família cursino, seu Lela, que está na história e na política de Buíque desde fins do século XIX  e início do XX, não mais existe, foi transmutada para um ponto comercial. Por isso mesmo é que tenho muito respeito pelo povo de Pesqueira, da terra do grande escritor e político pesqueirense, Anísio Galvão, que mantém a sua arquitetura no que diz respeito ao patrimônio histórico, artístico e cultural, intactos. Lá ninguém pode modificar a arquitetura de nenhuma das construções antigas, isso porque o poder público tomou as devidas providências no devido tempo, com o tombamento por lei municipal da presentação de sua história, diferentemente do que acontece por Buíque de Félix Paes de Azevedo, nosso fundador desde o ano de 1752, quando veio para estas plagas e doou mil braças quadradas das terras que certamente ganhou do rei de Portugal, para a construção de uma capela a São Félix de Cantalice, como forma de certamente de se redimir de seus pecados e homenagear a si próprio com o nome de "Félix".

MOSTRA DE ALGUNS DOS POUCOS PRÉDIOS ANTIGOS QUE AINDA RESTAM DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE BUÍQUE
Prédio onde era o comércio de bebidas e estivas de Félix de França Galvão, pai de Dr. Waldemir Cursino Galvão, único prédio comercial histórico ainda existente na cidade.
Sede atual de Prefeitura Municipal de Buíque, que foi construído na década de 50 e, neste  local, à falta de um clube na cidade era onde se realizavam os bailes de gala da nata da sociedade buiquense.
Mercado Público Municipal de Buíque, prédio construído na década de 40, que ainda hoje é preservado. Aqui também aconteceram memoráveis bailes e carnavais, em face da inexistência de um clube na cidade.

Nesta casa, morou o ex-prefeito de Buíque, Jonas Camêlo e onde foi morte à traição na década de 70.  Vizinho, na década de 60, ficava o armazém de estivas de Jonas, quando Buíque foi invadida pelos famintos, em que ele distribui alimentos de graça para os necessitados. Depois de algum tempo esta casa passou a ser habitada pelo ex-vereador Austriclínio Bezerra de Andradra e hoje mora familiares seus.


Casa onde morou Dona Maria Emília, mãe de Xéu, ex-Pe. Décio Cursino, Professora Dona Lenira Cursino e demais filhos e hoje, é o nosso Museu Municipal desativado e fruto de uma pendenga judicial, sem que se tenha nenhuma providência do poder público, inclusive do próprio Ministério Público Estadual, podendo desta feita, vir a ser mais bem de valor histórico, artístico e cultural, transformada em mais uma casa comercial.



Aqui um exemplo grotesco de um monstrengo com que fizeram com um prédio histórico de Buíque, onde foi uma loja de tecidos de Osório Galvão até a década de 60 e, acima, no sótão ou sobrado,  funcionava um serviço de auto-falantes o dia todo, que era como se fosse uma rádio que transmitia música, fazia propagandas e mandava recados secretos de amor do tipo: "de alguém para outro alguém com muito amor" e aí se tascava a música numa radiola de 78 rotações nas duas ou três difusoras. Nas épocas de política, era usado para as propagandas políticas da época. Hoje existe esse mondrongo feioso que alterou completamente a história de um prédio que guarda em si muita história do povo buiquense e que querem acabar.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu também vivi um pouco dessa história na minha infância, brinquei muito de pega nas ruas de Buíque, gosto de lembrar do passado.