NOS CAMINHOS DE BUÍQUE
Cyl Gallindo
Projetando um livro que desejaria tê-lo publicado,
mas infelizmente não cheguei a concluir o meu intento, procurei o escritor e
confrade amigo buiquense, Cyl Galindo, em Boa Viagem, onde morava, na cidade do
Recife, em 2005, para escrever à orelha do projeto de livro. Cheguei a conhecer Cyl, havia alguns anos passados antes dessa data, através de alguns
amigos ligados à escrita, para que ele escrevesse à orelha desse meu projeto de
livro. Cheguei à hospedá-lo algumas vezes em minha casa, em suas andanças por
Buíque, que dizia ele, ser o seu “umbigo” e, comentava sempre com exaltação, que gostaria de fazer,
tocar, ajudar em algum projeto cultural para nossa terra. Procurou vários
políticos nessas diversas incursões por sua terra, e não obteve à ajuda da qual necessitava, por isso mesmo talvez,
tenha morrido um tanto quanto frustrado por não ter conseguido o seu intento, que era o de ter ajudado Buíque em algum projeto cultural. É
com imensa tristeza que soube que o nobre amigo veio a falecer nesta última
segunda-feira à noite, dia 04, em João Pessoa, acometido que fora por algum mal da idade ou da
vida e veio à óbito, após passar o final de ano naquela capital paraibana.
Como homenagem ao velho amigo que se
transformou em estrela, transcrevo nesta oportunidade, o conteúdo da “orelha”
do meu projeto de livro que ele chegou a ler o original, que assim tem início: “Saí de Buíque, com 15 anos de idade. Com que vaidade e
orgulho deixei esse lugar. Estava me mudando para a capital, o Recife. Quando
menos esperei, estava tomado de insatisfação: como Buíque, o Recife já não
preenchia as minhas expectativas. Rumei para o Rio de Janeiro. Fiz Política
estudantil e partidária. Entrei nos círculos (sagrados) da Literatura. Conheci
Manuel Bandeira, Vinicius de Morais, Carlos Drumond de Andrade, Jaquim Cardozo.
Viajei por todo o Brasil e mais oito países. Cadê, porém, a minha obra, para me
manter neste cenário? Não tinha. Ou tinha coisas sem trato literário, sem
cuidados com a língua. Só idéias e
sensibilidade à flor da pele. Isto, porém, não é tudo.
Recolhi-me
de fato à real insignificância natural. Analisei o que sentia, se saberia dizer
o sentimento, e se valia a pena ser dito. Voltei ao cenário, na décida de 60,
pedindo A CONSERVAÇÃO DO GRITO-GESTO, por reconhecer nestes os
principais veículos condutores da inteligência humana. Faltou, contudo, o
lugar-espaço. Descobri, então, que Buíque é o meu umbigo. O marco zero da minha
jornada. Que minha pátria, hoje, resume-se a Buíque, o Recife, o Rio de Janeiro
e Brasília-DF. O meu Norte é Buíque, é Pernambuco, o Nordeste, o Brasil. Esta Geografia
delineou meus dígitos, e a minha identidade; concede-me cidadania plena. O que
não é tão simples. Lembrem-se: Graciliano Ramos gravou o seu Infrância em Buíque. Portanto ,
o cenário tem História, é um desafio!
Não
estou aqui, contudo, só para falar de mim nem de minha terra. A digressão
revela, apenas, tudo que tenho feito, a serviço deste cantoçhão que se me
explode da garganta, para me aproximar de Buíque e de suas gentes. Mas não tem
sido fácil. E como nada tenho a oferecer, além de meus escritos, quedo ante as
tentativas infrutíferas.
Eis
que agora, porém, achega-se a mim um homem da terra. Falando meu dialeto:
nasceu no cigano; carregou água em lombo de jumento; comeu bolo, feito por Alta
e pão com guisado, nas barracas dos Eugênio; dançou carnaval ao som do trompete
de Nilton; estudou com Aderita; conhece Dona Dodoce, Joaquina, de Ernesto, Zé
Cursino, Pedro Peru, Badefu, Zé Cavavá, Lia e Diva, de Austriclínio, Zé Corno,
Zé Bolacha. Contou pecados ao Padre Zé Kherle e Frei Damião. É filho de Milton
Modesto, primo de Blésman e Ritinha. Mais puro do que este? ...não existe.
Seu
nome: MANOEL MODESTO DE ALBUQUERQUE NETO. Ganha a vida como
advogado/jornalista. Na busca da perfeição, o seu instrumento de escrever. Seus
escritos parecem bisturi, cortando as próprias vísceras, dissecando o próprio
coração, expondo veias e músculos, sem subterfúgio, sem meias palavras, sem
mais delongas. Traça um exato perfil cruel do homem moderno, solitário e meio
perdido, cheio de amor, sem saber como, onde, quando,nem a quem dar...
Lendo
o livro de MANOEL MODESTO entende-se: a realidade é cruel, violenta, impiedosa,
ela é simplesmente realidade. Se a visão que ele tem da realidade lhe serve de
lição, não se faça de rogado, leia o livro, tire o seu proveito. Não fique como
mosca se debatendo contra a vidraça.
Escrever é difícil, mais que difícil, é sacerdócio. É o encontrar a alma
da palavra, o mistério do dizer, o VERBO, aquele que é o princípio, o meio e
será também o fim. Para que isto aconteça é fundamental que haja entrega,
sacrifício, renúncia. O escritor cresce na proporção que se estrutura em si
mesmo, consciente de que não passa de uma insignificante partícula do Universo.
MANOEL
MODESTO, neste livro de ficção, criado de sua imaginação, através de seus
personagens, revela, talvez, seguir nesta direção. E mais a condição de ser de
Buíque, deram-me a satisfação imensa de ocupar estas orelhas.
Quem
sabe, seremos ouvido pelo nobre povo de nossa terra.
Recife-PE,
15 de julho de 2005”.
P.S.: À família enlutada, meus mais sinceros pesares pela partida de mais um ícone buiquense das letras, que certamente foi se juntar a uma constelação de estrela de quinta grandeza. Cyl escreveu mais de dezesseis livros e era membro da Academia Pernambucana de Letras - APL, além de ter algumas de suas obras traduzidas para a Argentina e para a Holanda.
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