PASSANDO A LIMPO –
O BLOG ENTREVISTA COM MANOEL MODESTO
SÉRIE BLOG DE
ENTREVISTAS
O
entrevistado de hoje, até mesmo para minha surpresa, é um velho conhecido meu,
que foi prefeito da cidade de ITANARI, localizada na região do Sertão do
Moxotó, Dr. MILZAEL DO AMOR DIVINO DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI, conhecido também
pelo diminutivo de Dr. Miza, que foi prefeito de lá, por volta dos anos 90,
pessoa que depois de longas datas, vim por acaso, através de um outro amigo
comum, a reencontrar no Recife há umas três semanas, num lugar em que ele fez
questão de que ninguém soubesse e sequer se deixou fotografar, porque já numa
idade elevada e sofrendo de uma doença crônica, falou que ia colocar no
trombone tudo que fez de irregular e de negativo para o seu povo e que queria
servir de exemplo, para que outros governantes como ele, não viessem a repetir
os mesmos erros que ele, ou por ação ou omissão, chegou a cometer em sua vida
pública e, já nessa idade avançada e portador de um mal incurável, queria se
redimir, deixando como testamento, o seu testemunho como exemplo para o seu
povo itanariense e para os demais gestores públicos. A conversa foi gravada num
rústico apartamento em que mora de favor, com um seu parente, mas o encontrei
completamente abatido, falando mansamente, deformado, mais pela doença, do que
propriamente por sua idade meio avançada. Fizemos as preguntas, gravamos, coisa
que ele disse que apagasse logo depois que transcrevesse a conversa, foi também
uma de suas exigências e, por respeito à doença e sua idade, assim foi feito.
Então vamos ao que o ex-prefeito nos relatou.
P – MM – Dr.
Milzael, quanto tempo, hem? – Diga-me uma coisa, parte de sua vida a conheço e
sei que o senhor era idealista, por qual razão, chegou a mudar depois que
entrou na política?
R – Dr. MILZAEL – Rapaz, quase não mais lembrava de você!
Estás muito diferente, mas depois de olhar pra você um certo tempo, acho que
você não mudou muito não! – Primeiro, gostaria de dizer a você, amigo Manoel
Modesto, que desde que nasci, sempre fui um idealista. Na época da ditadura
militar, cheguei até a pensar em pegar em armas junto com Dilma, Zé Genoíno, Zé
Dirceu...ainda cheguei a conhecer Carlos Maringhella, Carlos Lamarca, em que
pertenciam a algumas organizações clandestinas que pegaram em armas contra o
regime militar. Mas pensei bem, e não cheguei a tanto. Preferi estudar para um
dia ser alguém e foi isso que fiz. Pensava em ser uma pessoa melhor, trabalhar
e servir ao meu povo com honestidade e retidão, ter uma família e viver com
dignidade e só. Quer dizer, conheci esse pessoal, na época braba da ditadura,
quando morei em São Paulo, lá pela década de 70 para 80. Quanto retornei à
Itanari, o então prefeito da época, já nos seus anos 90 de idade, o velho amigo
Seu Zuquinha, colocou em minha cabeça de entrar na política e lhe suceder, já
que Itanari estava nas mãos de seus adversários há um longo tempo. Aí pensei,
pensei, matutei e terminei por colocar essa ideia na cachola e terminei por entrar
na política. Ele raposa velha feito na política, sabia de todas as entradas e
saídas e me deu todas as dicas de como deveria ser o político na prática e, a
partir do momento que entrei dentro dela, esqueci de todos os meus ideias de
vida e parti para o chamado pragmatismo político e o que pretendia que fosse
diferente, terminei por cair na mesma vala comum da podridão dos outros
políticos. Foi isso, É! – Fazer o que? – Tá feito, não posso mais desmanchar o
que fiz nessas alturas!
P – MM – Mas Dr.Miza, o povo de sua cidade, Itanari, ainda o tem em alto conceito
e diz que o senhor ainda foi o melhor prefeito da redondeza, então por qual
razão o senhor resolveu mostrar esse outro lado só agora?
R – Dr. MILZAEL – Caro Mané Modesto, o povo é ingênuo, é
bom, se deixa levar e embelezar por qualquer um que esteja no poder de mando. A
gente se sente endeusado por alguns momentos, se sentindo dono de tudo, como se
até o mundo fosse nosso. Mas por outro lado, a gente na política, deixa de agir
com a emoção e, dentro de tantas enroladas que tem na política, a gente termina
entrando na mesma canoa furada e terminada por enganar e fazer o povo de bobo e
de besta e todo mundo fica encantado com você, a ponto de você colocar todo
mundo no bolso a troco de qualquer besteira, de alguns trocados que não dá para
nada e termina por enrolar todo mundo e ninguém reclama de nada, porque o povo
não foi educado devidamente para questionar sobre o que está certo ou errado e
por isso mesmo, é que eu mesmo abusei do meu povo e muitos outros gestores,
abusam do mesmo jeito e isso com a maior cara-de-pau, ainda dizendo em alto e
bom tom, que eu era o mais honesto do mundo, quando fazia uma besteira aqui,
outra acolá, mas grande parte do erário vinha para o meu bolso, de parte de
minha família e para os mais chegados. Uma coisa que não gostava muito era de
bajulador, isso era muito pegajoso, caramba! – Não, nunca gostei disso não! –
Só sei que na política, e veja que eu era um cidadão formado, respeitado e fiz
o que fiz ao meu povo. Imagine quem nada disso tem na vida o que não é capaz de
fazer, né mesmo! – Terminei por descobrir, que em política,
tirante algumas exceções, é todo mundo da mesma iguala e eu, de idealista que
era, terminei por ser a mesma coisa que os outros.
P – MM – O senhor quando foi eleito prefeito de Itanari, derrubou uma forte
estrutura coronelista que mandava no município há mais de duas décadas, como
foi que isso aconteceu?
R – Dr. MILZAEL – Na verdade, quando voltei de São Paulo
para Itanari, o que queria mesmo, era trabalhar defendendo o meu povo como
advogado, mas sempre pensava, isso desde ainda criança, em servir de outra
forma, talvez como vereador, quem sabe prefeito, mas foi o velho Zuquinha me
colocar na cabeça, que tomei gosto pela coisa, finquei pé e me candidatei
prefeito de minha terra, contra o grupo dominado pelo prefeito Miguelito
Alecrin, que era Dr. Jan. O grupo era forte e usava e abusada tanto do dinheiro
de empresas fornecedoras, executoras de serviços terceirizados pela prefeitura,
quando do próprio dinheiro do povo e ajudado pelos servidos públicos ocupantes
de cargos comissionados e por contratados, mesmo assim, enfrentei sem
praticamente um centavo, toda essa máfia do poder e terminei por vencer, mas
para isso, tive que no final, até de mulher me vestir para comprar votos
também, porque quando a gente está pendente para ganhar uma eleição, aparece
gente de todo lado para lhe ajudar, agora o danado, é depois disso, pagar em
dobro a agiotagem que lhe emprestou dinheiro, dar emprego sem ter para esse
pessoal que lhe ajudou e os diabos a quatro. Mas como o jogo era duro, tive que
entrar também no mesmo jogo duro para poder ganhar e só sei, que dei de lavagem
no Dr. Jan e derrubei a família Alecrim que estava engatada no poder há mais de
20 anos e isso tinha que acabar. Dito e feito. Ganhei com uma margem de 30% de
vantagem dos votos válidos e foi uma estrondosa festa, com muita bebida,
foguetões e o que tivesse direito. Foi uma coisa que nunca saiu de minhas
lembranças, minha primeira vitória no mundo da política. Só não sabia ainda,
como seria o dia depois que chegasse a assumir de verdade o cargo de prefeito,
mas tinha ficado satisfeito em derrubar aquele coronelismo e por isso mesmo,
imaginava ser o diferencial, mas quando entrei, nada disso aconteceu e tudo foi
por água abaixo, ideais, vida melhor para o povo e com o poder nas mãos, mudei
sem sequer sentir que tinha realmente mudado.
P – MM – Dr. Miza, como gestor público, o que o senhor fez pela melhoria social
no sentido de diminuição do analfabetismo e na melhoria de vida de seu povo,
que era tido em Pernambuco, como um dos piores do nosso Estado?
R – Dr. MILZAEL -.Bem, caro Mané Modesto, eu governei Itanari a
partir de janeiro de 1993 até meados de 1996, quando então, para não entregar o
poder a outro, procurei me desligar do poder público no prazo legal da lei
eleitoral, para colocar em meu lugar, o meu próprio filho mais novo. Aí já
estava eu, pensando em me perpetuar no poder a partir de minha própria família,
como se minha cidade, meu município, fosse uma herança hereditária. A primeira
canetada que dei logo que entrei, foi nomear para cargos de confiança, toda
minha parentada que votou em mim, já tendo começado a cometer meu primeiro erro
logo aí, pois hoje reconheço que isso é muito errado, porque o que deve
prevalecer mesmo quando se trata de coisa pública, é o mérito e não ligações de
parentesco, de amizades, de compadrios ou de apadrinhados. Mas a vida real,
manda que seja assim, mas diferente deveria ser. Esse é um dos grandes erros
que cometem quem administra o que é do povo. Naquele tempo, era ainda uma época
de vacas magras em termos de transferência de recursos da União ou do Estado,
para os municípios, mesmo assim, vinha muito dinheiro para educação, saúde e
para a melhoria de vida social de meu povo. Mas desse dinheiro, parte dele a
gente aplicava direitinho, pelo menos na questão de contabilidade, de controle
de finanças e o resto, a gente dava um jeito de sair pelo ralo e cair direto no
bolso da gente. Eu mesmo praticava um desvio escancarado e não tinha o menor
peso de consciência, porque de certa forma, se na nota de compra e de empenho,
constava um produto de primeira qualidade, a gente pagava pelo de primeira e
colocava na rede escolar do município, uma qualidade de terceira, que às vezes,
até mesmo os porcos não queriam. Esse tipo de prática valia para qualquer tipo
de empreendimento público municipal. Recuperei várias escolas assim mesmo, construí
outras, na área de educação. No social, desenvolvi projetos voltados para os
jovens, promovendo o patrocínio de cursos profissionalizantes, dando ajuda à
mulheres gestantes e, na saúde, a precariedade era muita, mesmo assim, nunca
faltava um médico para atender à população, mesmo assim, de parte do
medicamentos adquiridos, só existia mesmo na nota fiscal do fornecedor, o resto
era também embolsado, por isso mesmo, apesar de alguma melhora aqui e ali,
sempre existia um meio de se desviar dinheiro para o meu bolso e a cada vez que
tinha uma chance, não pensava duas vezes, surrupiava mesmo sem dó, dos cofres
públicos, sem nenhum peso de consciência e sendo sabedor de que as coisas
poderiam ter sido bem melhores. Se tivesse investido tudo como deveria, com
certeza Itanari seria bem diferente do que realmente ainda continua sendo, pelo
menos, é o que de lá tenho notícias, porque depois que adoeci, até de ir lá me
recuso, pois me sinto envergonhado pelo que fiz. Minha consciência hoje dói,
quando vejo que Itanari se encontra com o nível de educação e de qualidade de
vida humana, lá embaixo, entre os vinte piores municípios de nosso Estado.
P – MM – Mas Dr. Milzael, e o Tribunal de Contas e a Câmara de Vereadores, que
são os representantes do povo, nunca lhe importunaram não, ou lhe ameaçaram lhe
tirar do poder com um impeachment?
R – Dr. MILZAEL -.Ora, Ora, meu velho amigo! – O Tribunal de Contas,
vez por outra se fazia presente mexendo aqui, mexendo acolá, mas ao se deparar
com uma contabilidade completamente dentro do que manda o figurino, não buscava
esmiuçar demais não! – Ora, se o próprio TCE, não sabia como descobrir as
irregularidades, então o que fazer, seguir no mesmo caminho de uma
contabilidade e de um controle financeiro dentro dos eixos, mesmo que maquiadamente,
mas era assim que funcionava e é assim que ainda hoje funciona. Vez por outra,
encontrava alguma irregularidade e recomendava ao Legislativo, para que
rejeitasse minhas contas, mas vereador e nada, é a mesma coisa, pois basta
comprar o seu passe para você ter o elemento na mão e, se tiver alguém querendo
estrebuchar demais, é só lhe dar o que ele quer e pronto, você tem uma Câmara
de Vereadores na mão para fazer dela o que bem entender e o povo, também mais
uma vez, é passado pelas pernas dos próprios vereadores do seu lugar. Isso
acontece em praticamente todos os municípios, com poucas exceções. O danado é
que o povo, abestadamente, escolhe muito mal os seus representantes e por isso
mesmo, que quem é prefeito, faz o que bem entende em seus municípios, como eu
fazia no meu, Itanari. Hoje, já nesta idade e com essa doença que me atormenta,
a minha consciência dói e não faria jamais o que fiz com o meu povo e me sinto
culpado de que, quando podia fazer alguma coisa, embalado pela ambição e as facilidades
em roubar dos cofres públicos, preferi tirar do meu povo, que lhes dar o que
merecia, que eram justamente melhores níveis de vida em saúde, educação e na
dignidade social. É isso que hoje mais sinto, e por isso mesmo, é que venho de
público pedir perdão ao meu povo, porque o que fiz, além de não ter perdão, não
poderá jamais ser corrigido.
P – MM – O senhor chegou a enriquecer quando chegou ao poder público, isso
porque antes o senhor não tinha praticamente um pau pra dar em doido? – Como é
que chegou a adquirir tantos bens?
R – Dr. MILZAEL - Amigo Manoel, você que já tem
conhecimento suficiente em gestões públicas, deve saber como as coisas
funcionam, mesmo assim, vou dizer como eu fazia. Primeiramente, você tem que
despersonalizar você mesmo. Tudo que você tira do erário, você não pode colocar
numa conta bancária sua, de um seu parente próximo, mas sim, tem que arriscar
colocar em nome de um parente meio distante, uma pessoa de sua inteira
confiança, mesmo que não se pode lá ter toda essa confiança, por que ao invés
de pensar estar passando à perna, pode lá na frente ser passado para trás. Mas
era assim que funcionava o esquema. Cheque jamais queria em meu nome e
dinheiro, era colocado em nome de terceiras pessoas e a lavagem desse dinheiro,
era também realizada na compra de fazendas, animais bovinos, carrões, tudo isso
em nome de laranjas. Na verdade, em minha declaração de Imposto de Renda – IR,
nada tinha em meu nome. Quer dizer, eu continuava pobre de Jó. Não tinha nada.
Era um homem pobre, apesar de possuir muitos bens em nome de laranjas. A
questão, é que todo mundo sabia disso, mas se ninguém ligava, quem era que ia
se importar? – Fui o primeiro prefeito a comprar em nome de um laranja, uma
fazendo no Estado do Maranhão, chegando inclusive, a fazer política lá também,
quando fui para lá e conheci minha segunda mulher, uma moleca morena, linda de
morrer. Me apaixonei, fiquei por lá mesmo e, da minha primeira mulher, que já
vinha me traindo com um secretário meu, a deixei pra lá e pronto! - Vivi tempos
felizes lá naquele Estado. Hoje pelo visto, essa febre se espalhou pelo que
sei. Atualmente, não tenho mais quase nada. Vivo de um mísero salário de
aposentadoria que mal dá para comprar os meus remédios para poder ter uma
sobrevida de até, quem sabe, mais um ano, no máximo dois, não sei! - Mas o que
meu coração pede, é não morrer com a consciência pesada, por isso, desse meu
depoimento a você, como meu amigo particular.
P – MM – Mas Dr. Mizael, como é que o senhor saiu de lá de Itanari, podre de
rico e hoje está nessa estado de petição de miséria, o que foi que houve?
R – Dr. MILZAEL -.Mané Modesto, acredito que você sabe muito bem de
uma coisa, de que quando a gente vai ao pote com muita sede, termina por
quebrar à cara e foi isso que aconteceu comigo e tem acontecido com muitos
outros e vai acontecer com outros e outros mais. Quando a coisa é mal adquirida
com facilidade, do jeito que vem, vai pelo espaço do mesmo jeito. Primeiro,
quando a gente se imagina dono do poder público, a gente gasta e se esbalda
como bem quer. Faz farras e mais farras homéricas e não quer saber de limites.
Come do bem e do melhor sem sequer saber o preço, isso porque, o dinheiro está
em suas mãos pra você manipular de todo jeito. Não deveria ser assim, mas é
assim mesmo que acontece. A gente consegue adquirir muita coisa com o que não é
da gente. O pior é quando se cai na mão da agiotagem, porque agiota não perdoa
não. Toma o que você tem e até é capaz de lhe matar se você não pagar com juros
e correção monetária o dinheiro que pediu como empréstimo, mesmo sem que tenha
havido necessidade. Os bens que a gente adquire em nome de terceiros, quando a
gente perde o poder, uma grande parte os laranjas tomam, dizendo que aquele bem
nunca foi de prefeito não, que quem adquiriu foi ele mesmo. Ora, como é que
alguém pode comprar uma fazenda ou um carrão, ganhando um salário mínimo, me
explique? – Não dá. Então o que você pensa ter nas mãos, lhes foge como uma
nuvem de fumaça de uma hora para outra. Até minha primeira mulher, um de meus
secretários ficou com ela, que de certa forma, me fez até um favor, pois já não
aguentava mais ela mesmo. Então deixa a bichinha pra lá com seu novo amor, né
mesmo! – Com todo esse tempo fora do poder, não pude mais manter o padrão que
antes tinha e estou nessa situação, já envelhecido, doente e só esperando a
morte chegar. Só isso foi o que me sobrou.
P – MM – Quando o senhor foi prefeito de Itanari, depois sucedido pelo seu
filho, como é que fez para ganhar pela primeira vez?
R – Dr. MILZAEL – Você que vive no meio da política, deve
mais ou menos saber como as coisas acontecem. Primeiro, ou se tem dinheiro para
comprar o voto dos mais ignorantes e analfabetos ou então, se tem que trabalhar
em cima do desgaste de quem está no poder. O voto do povo, não se fala, você
compra à troco de bananas e até um fato novo, se possível, a gente procura
criar, como um atentado, para tentar comover o povo e aí, o povo sentido a
nossa dor, termina por votar na gente de bandeja. É assim que acontece. Nosso
povo é muito emotivo e, se um candidato sofre um atentado ou chega a sofrer uma
tentativa de homicídio, por exemplo, aí sim, é que se ganha facilmente uma
eleição, sem precisar gastar muito. Mas aprendi fazer muitas traquinagens logo
que me iniciei na política. Até mesmo me vestir de mulher, como já disse, para
driblar à fiscalização de meu adversário e à Justiça Eleitoral, o fiz, só para
às vésperas da eleição dar mais uma rodada pelos sítios e lascar o pau na
compra de votos do adversário, ou mesmo até, dando dinheiro, pegando o título
do eleitor do grupo do contra, para no dia da eleição, não aparecer na sessão
de votação, o que não viria mesmo, porque quase ninguém sabe da sessão onde
deve votar. Isso era um tiro certeiro no voto do adversário. Quer dizer, em política
eu sempre seguia os conselhos de Paulo Maluf, de que o importante é ganhar, não
interessando os meios. Foi assim que fiz, mas jamais faria se os tempos
voltassem. Não seria mais capaz de enganar meu povo mais uma vez, isso hoje é
que tenho consciência plena, apesar de ter reconhecido isso já tardiamente.
P – MM – Dr. Miza, como o senhor está vendo a política no momento e em quem o
senhor vai votar?
R – Dr. MILZAEL – Olha, Mané Modesto, a política de
hoje, não é muito diferente daquela de meu tempo. A forma de se roubar está até
mais sofisticada. Ninguém tem sequer o cuidado de esconder o que tira do poder
público. Tudo coloca à mostra e todo mundo sabe que o dinheiro do povo está
rolando mundo afora. No meu tempo não, ainda tinha um certo discernimento, mas
também era escancarada à roubalheira. Mas hoje, está pior que o próprio povo
sabe, continua sendo enganado, achando bom e votando nos mesmos políticos, o
que não era muito diferente do meu tempo. Agora tudo isso, claro, se deve a um
povo, que pelos que vão passando, que como eu também, só pensaram em roubar do
dinheiro público, não proporcionaram uma boa educação para o povo, uma saúde de
qualidade e uma vida digna, daí continua o povo analfabeto, abestado, sem ter
noção de nada e acha até bonito quem entre pobre numa prefeitura e sai rico. É
aí aonde veio para a minha culpa quando fui prefeito, porque poderia ter
contribuído para educar melhor o meu povo, lhe dando maior conhecimento e uma
visão crítica de vida e de mundo. Principalmente, nas escolhas políticas, mas
não, não fiz isso e portanto, sou também responsável pelo que vem acontecendo.
Rapaz, pela raça política que a gente tem visto por aí, não sei nem até agora,
em quem vou votar, sabe? – Por que sinto remorso só de pensar em votar em mais
um político safado como eu fui. Então nem sei se vou votar, até porque, minha
idade me dá essa condição de não votar. O voto deveria ser mesmo era livre e
não obrigatório. Votar em qualquer um sem saber quem é, qual sua história, suas
intenções, então pra que votar? – Agora daqui pra lá, se tiver vivo, sei não,
talvez faça alguma escolha entre os menos piores e ainda dê o meu último voto à
alguns desses canalhas.
P – MM – Dr. Milzael, que lição o senhor deixaria para o povo em geral,
especialmente o de Itanari, sua terra, e para os políticos atuais?
R – Dr. MILZAEL – Bem meu caro Manoel Modesto. Conheço
sua terra, Buíque, né isso! – Resposta (risos...): É Doutor, sou de Buíque
mesmo. A lição que posso deixar para o meu povo intanariense, é que, não votem
mais em políticos como eu fui para eles, que só fiz mesmo enganá-los, fiz
também algumas coisas visíveis para enganá-los, não querendo como prioridade o
bem de meu povo, mas sim, o meu próprio em primeiro lugar. Diria ao meu povo,
que hoje tenho vergonha de ter sido o prefeito que fui para vocês e de que,
pelo que fiz, não sintam orgulho de mim não. Nem denominação de rua, coloquem o
meu nome, porque não mereço ser lembrado pelo povo de Itanari existente, e
pelos que virão, então que homenagem póstuma sou eu merecedor, se surrupiei os
cofres públicos de vocês, roubei descaradamente o dinheiro que deveria ter
melhorado a educação, a saúde e uma vida social mais digna, coisa que esqueci,
quando estive gerindo os destinos de vocês? - Então o que peço sinceramente, é
que vocês me perdoem pelo grande mal que fiz a vocês, meu povo, porque de nada
de vocês sou merecedor. Sei que não passo de um velho doente e próximo da
morte, mas se mais novo fosse, deveria estar na cadeia pagando pelo que tirei
de vocês e que sei, nunca mais terão de volta o que por ser corrupto fui capaz
de usar e abusar da boa-fé de vocês, um povo que dizia amar, mas o que estava
de olho mesmo, era no dinheiro de vocês e no poder, só isso, nada mais que
isso! - Na verdade, nem mesmo digno sou do perdão da parte de vocês, pelo de
mal que tanto fiz. Mas quero só deixar o meu exemplo, para que outros que
virão, tenham a decência de não roubar, não deixar roubar e não se utilizar do
poder, como se propriedade particular fosse, pois o poder é passageiro, mas a
municipalidade, o povo, continua e peço ainda para que não se deixem enganar
quando forem votar. Não vendam o seu voto a troco de mixaria, nem para
prefeito, nem para vereador, que é o voto mais mal dado que se pode dar.
Aprenda meu povo, a escolher melhor os seus candidatos, porque só assim, vocês
poderão talvez ter pessoas melhoradas para gerir os seus destinos, porque se
for na mesma pisada que eu fui, de nada adiantará o meu testemunho e o meu
legado que deixo de exemplo para o povo em geral e principalmente, ao meu povo
de Itanari. Não mais irei aí, e também por vergonha, não quero sequer ser
sepultado em minha terra, mas sim, bem distante, porque sei que não sou uma boa
alma para ficar próximo desse povo bom, ordeiro e pacífico que um dia foi
traído por mim. E este o meu desabafo neste momento pelo qual estou passando em
minha vida.
Pois bem minha gente,
está aí pois, mais uma entrevista de nosso Blog Entrevista, destra feita, com
um ex-prefeito de Itanari, que cheguei a conhece-lo há mais de duas décadas e
que, por acaso o encontrei no Recife, há umas três semanas, que apesar da idade
e da doença, através de um amigo comum, marcamos um encontro e ele me concedeu
esta entrevista, em que fez certas condições, que as aceitei, dizendo ele, que
queria se redimir consigo mesmo, para que pudesse vir a morrer em paz com a sua
consciência. O nosso encontro se deu em um apartamento num certo bairro do
Recife, rústico, morando de favor de um parente, em face de que, após alguns
anos depois de ter sido prefeito de Itanari, veio a ficar sem absolutamente
nada, como tem acontecido com muitos que antes nadavam em mordomias frutos de
apropriação indébita do poder público e terminam sem um tostão furado. É
lamentável que isso aconteça, mas o que me deixou emotivo, foi o fato de Dr.
Milzael, ter a devida coragem, mesmo assim já quase arquejando com uma doença
crónica, já dotado com uma meia idade um tanto avançada, nos dar esse
testemunho de que a política não deve ser levada da forma como vem sendo tratada,
mas sim, de modo que venha de verdade a servir a todo o nosso povo. E esta
pois, a lição que fica desse político que um dia foi corrupto e se arrependeu
dos maus feitos que tanto praticou.
Um comentário:
Eita Dr. Manoel. Essa foi inédita. Conseguir uma entrevista dessas é algo tão incomum que merecia uma medalha. De qualquer forma meus parabéns pelo serviço prestado. Que o povo tenha consciência e aprenda com essas lições de vida. Vou lhe entregar um dos meus cordéis, o intitulado POLÍTICA E POLITICAGEM para que você entregue a Dr. Mizael, caso volte a encontrar com ele em Recife. Creio que ele vai se identificar com o escrevi no referido livreto. Abraço.
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