ALMAS PENADAS DE FOGO
Ainda hoje carrego comigo
àquelas imagens monstruosas dos meus tempos de criança, que parecidas com
grandes almas penadas, saiam voando em chamas incandescentes pelo ar, em
direção do pequeno casebre onde morávamos. Essas assombrações de fogo, por
incrível que pareça, só apareciam em noites de escuridão feito breu, e para
quem morava num sítio distante da cidade, sem energia elétrica, à luz de
candeeiros, em que envoltos pela escuridão infinda, o coaxar dos sapos e o
cantar de grilos, vez por outra o barulho amedrontador de alguns animais de
hábitos noturnos, a exemplo de gatos de mato e raposas atrás de suas presas da
cadeia alimentar, só tinha mesmo que ter medo, buscar não sair de casa e se
cobrir com o rude cobertorzinho de uma lã das mais reles, para se aconchegar
das noites friorentas, a gente, motivado pelo medo, cada qual em suas redes,
procurava se cobrir até à cabeça, com medo daquelas almas penadas, para não
chegarem até próximos de nós, e certamente nos levar para ninguém sabia para
aonde, mas o medo nos dominava com o zunir do vento, e das almas penadas que
corriam ao sabor da direção das intensas ventanias das noites escuras feito
breu, daquela caatinga sertaneja esquecida. Era uma época de fazer medo mesmo
viver num mundão daqueles esquecidos de tudo.
Na imaginação da gente, se criava a ideia de que, o que
estariam tantas almas penadas a vagar por àquelas longínquas paragens, à noite,
no meio da escuridão, será que estavam querendo subjugar a nós vivos e nos
levar também a nos envolver em suas incandescentes chamas? – E aí começávamos a
rezar um pai-e-nosso, uma ave-maria, para nos livrar daquelas almas penadas que
com certeza, queriam nos castigar. Mas castigar por quais pecados, indagava eu
na minha santa ingenuidade. O que fizemos de errado se nossa vida era
simplesmente trabalhar e vivermos a nossa sofrida vida, eu, meu pai, minha mãe,
meus irmãos, naquele triste e longínquo lugar esquecido do resto do mundo, que
sequer um veículo automotivo tinha condições de lá chegar, porque não existia
acesso para que em minha casa, chegasse um veículo, mesmo daqueles que para
ligar, tinha que rodar uma manivela em um buraco para essa finalidade em frente
do motor, mesmo assim, carro era difícil chegar por àquelas paragens
inacessíveis. Costuma indagar de minha mãe, quando era que ia chegar um carro
no sítio onde a gente morava, com o que, respondia ela: é meu filho, quando as
galinhas criarem dentes, será a época em que um carro chegará até à nossa
porta. Com o que, curiosamente, ficava a abrir os bicos das galinhas, para ver
se elas já tinham criado dentes para que um carro viesse a parar em nossa
porta. Mas diante de a minha curiosidade de rude menino dentro de minha mais
pura infantilidade e inocência, nunca vi uma galinha criar dentes, tampouco um
veículo chegar até à porta de minha casa. Foi uma curiosidade de minha infância
que nunca se realizou, mas hoje, ainda com todas as dificuldades, um veículo já
chega até onde eu morava, a casa rudimentar não mais existe, também as galinhas
nunca criaram dentes, porque é de sua própria natureza biológica. Galinhas
criar dentes, que coisa, pensava eu...
Voltando às assombrações que tanto medo meteram na gente,
principalmente em mim, que morria de medo quando apareciam as incandescentes almas
penadas, que ficava encolhido em minha rede agarrado dos pés à cabeça ao meu
cobertor, querendo me esconder daquelas monstruosidades, mas não sabia eu, em
minha ingênua infantilidade, que se àquelas almas penadas chegassem até mim, me
devorariam em chamas em questão de segundos, sem dó, nem piedade. Indagava a
mim mesmo, o que houvera feito, para ter tantos pecados, para ser perseguido
vez por outra, por àquelas almas penadas, que geralmente só apareciam em épocas
de secas brabas. Nas chuvas, elas desapareciam misteriosamente. Era realmente
um Deus-nos-acuda, viver aqueles momentos de medo e terror, mas foi assim que
vivi parte de minha infância, com medo das almas penadas, dos duendes que vez
por outra apareciam para me colocar medo, querendo arrancar os dedos dos meus
pés, além, tempos depois, dos papas-figos, que tinham a mania de comer o
fígados de criancinhas, principalmente as que não obedeciam aos pais. Mas aí,
pode ser motivo para um outro conto. Na verdade, as assombrações em chamas incandescentes,
vim depois a saber, já adulto, que na verdade, aqueles fogaréus se movimentando
em chamas ao ar livre, não passavam mesmo de fogos-fátuos, que a gente
costumava chamar de fogo-corredor, que na verdade, eram os gases emitidos de
animais mortos nas épocas das secas brabas da caatinga sertaneja e, ao ser
expelidos gases dos animais a partir do momento de putrefação, em contato com o
gás oxigênio que respiramos, simplesmente se diluíam em chamas, daí, formarem
as almas penadas, que achávamos ser assombrações, mas que na realidade, não
passava mesmo de um fenômeno químico/físico da própria natureza do choque de
gases, que ao se misturarem com o choque, se diluíam em chamas e carregadas pela
ventania, começavam a se moverem ao além, como almas penadas, as assombrações
que impiedosamente atanazaram a minha vida de infância de morada em nosso sítio.
O pior é que a gente sentia medo de verdade mesmo, porque limitados aos nossos
parcos conhecimentos, como saber de que se tratava de fogos-fátuos como
consequência de um fenômeno da própria natureza, hem? – Por isso mesmo, o medo
vem em muitos casos, da falta de conhecimento e, ao nos imaginarmos diante de
uma monstruosidade, de assombrações amedrontadores, em muitos casos, não passa
de um mero fenômeno da própria natureza, nada mais que isto.
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