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BUÍQUE, NORDESTE/PERNAMBUCO, Brazil
A VERDADE SEMPRE FOI UMA CONSTANTE EM MINHA VIDA.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

HOJE MAIS UM CONTO INTERESSANTE É PUBLICADO, TRATA-SE DE UMA HISTÓRIA DE ALGUÉM DE UMA FAMÍLIA TRADICIONAL DE BUÍQUE, QUE NO PERÍODO CONSERVADOR ERA DO TIPO MACHÃO, MAS É CHEGADO UM MOMENTO EM QUE RESOLVE SAIR DE SUA CAIXA PRETA DE SEU PARTICULAR ARMÁRIO.

A CAIXA PRETA DO ARMÁRIO
Gary Cooper - Protótipo do homem másculo, foi ligado ao ator homossexual Anderson Lawler, chegando a dividir o mesmo teto, para desespero de seus agentes. 


       Corria à década de final da década de cinquenta, início da de sessenta, e naqueles tempos de moralismo ao extremo, certos modismos que vinham surgindo mundo afora, como novos estilos musicais, a exemplo do rock and roll e da dança do twist, era para grande maioria da sociedade conservadora nordestina, moldada no coronelismo, nos grandes proprietários de terras e dos senhores de engenho, não poderia ser outro, o reflexo social para se mantar em um rigoroso determinado padrão de modo de vida, de repúdio e reprovação daquela imoralidade.
      Ninguém podia sair daquele molde padrão, porque senão era radicalmente triturado pela sociedade de então, que passava a ver o sujeito que quebrasse as tradições, de forma enviesada e prontamente, por exclusão não era visto com bons olhos pela nata social vigente à época. Era um período em que o conservadorismo com base de formação cristã, predominava e ninguém poderia sair da linha de jeito nenhum, porque senão, era praticamente excomungado e queimado vivo na fogueira medieval. Tempos duros para quem queria ser diferente, se sair um pouco e se soltar mais na vida. Quem tivesse lá os seus segredos intrinsicamente pessoais, que os guardasse somente para si mesmos e fechados à sete chaves, porque senão, impiedosamente, a sociedade não dava tréguas a ninguém.
     Acaso uma jovem fosse vista nas calçadas da Igreja Matriz se beijando com algum namorado, vige Maria!, era um deus-nos-acuda e o nome da moça no outro dia, estava na boca do povo. Você viu fulano! - A filha de sicrano se beijando com o filho de beltrano! – Eita rapariga sem-vergonha da porra, hem José Cavalcanti! – Que mulher quenga, resmungava Pedro Albuquerque de outro canto de um boteco de pé de conversa de quem não tinha o que fazer, a não ser falar da vida alheia. Ficar falada naqueles tempos, era coisa feia e a moça, mesmo por um simples beijo, ficava com o nome sujo no meio da sociedade e geralmente, as demais meninas de família, não mais queriam sequer chegar nem perto desse tipo de “moça” que quengou desavergonhadamente com o namorado, logo nas calçadas da Igreja Matriz, que vergonha! – Nem respeito teve pelo sagrado! - Na verdade, nesse reprimido mundo em que viviam, as outras também, não deixavam de fazer das suas, só que, às escondidinhas.
      Foi num mundo assim, que na cidadezinha de interior, Buíque, pequena e conservadora ainda mais, pela pequenez tanto de mentalidade de seu povo, quando do tamanho geográfico da própria cidade, que existia também Marcelo Joventino Albuquerque, um belo jovem, bem vestido, sempre de terno bem alinhado, aparência de galã daqueles filmes antigos de Humphrey Bogart, que fazia suspirar qualquer mulher que assistia aos seus filmes daqueles tempos, pelo romantismo, do tipo galanteador e conquistador das mais lindas mulheres nos filmes em que estrelava. Marcelo tinha uma estatura escultural mediana, pele de tez morena clara, olhos castanhos, cabelos puxando mais para o preto, mas era do tipo que fazia suspirar todo o mulherio da época em sua cidadezinha. Por isso mesmo, quando estava no meio dos amigos de ocasião, era chamado por “Marcelão”, pela aparência de galanteador e pela fama de namorador para os padrões da época, o que seria os “comilões” do mundo atual.
     Marcelão estudava na capital, Recife e vez por outra, vinha até Buíque, visitar seus familiares e deixar as jovens da época, boquiabertas, babando mesmo, diante de tanta formosura do tipo machão, naquele belo corpo másculo que fazia o imaginário de qualquer mulher ficar se condoendo de paixão por ele, até mesmo vir a ter orgasmo reprimido. Quando ele aparecia em sua cidade, os demais colegas já ficavam entre um pé e noutro, porque não tinham vez com elas, porque só queriam mesmo era dançar, nos bailinhos que se fazia na época, na Escola Duque de Caxias, ao som do twist, tocado ao trompete de Tatá, que só ele como ninguém, sabia do rebolado da dança que infernizava os pais de famílias, à igreja católica, pelos trejeitos infernais que o som do rock and roll, ainda em seu início, proporcionava no rebolado tanto dos homens quando da meninas. Era coisa de enlouquecer qualquer pessoa conservadora daqueles idos em que todo modismo começa a partir de então a mudar tudo e revolucionar o mundo. Na verdade, todos tinham uma ponta de inveja do Marcelão, porque quando ele aparecia em Buíque, com o seu jeito de machão, o mulherio todo em sua volta, não tinha quem aguentasse. Os pais davam sermão em suas filhas para que não ficassem junto daquele sujeito que dançava um modismo pecaminoso e os seus amigos, também não gostavam, porque as mulheres só queriam mesmo era ficar com o Marcelão e assim, a festa para eles, os namoricos, ninguém tinha vez, porque todas só queriam ficar com o grande e galanteador homem do Recife, onde se dizia que lá estudava e levava uma vida de boemia das melhores que se poderia ter para os padrões daqueles tempos.
       Realmente o Marcelão era um galã invejável e disputado pelas mulheres de Buíque. Também, quem poderia resistir àquele seu jeito galanteador, conquistador, educado e amoroso com o qual tratava as mulheres e ainda, sempre dava uma colher de chá para dançar twist, a dança quente da época, com as mais afoitas e isso, gerava uma ciumeira danada entre homens e mulheres. Ninguém gostava muito quanto Marcelão vinha à Buíque, mas as mulheres, faziam à festa diante de seu preferido galã da capital.
     Por um certo tempo, Marcelão ficou sem aparecer em sua cidade e isso demorou. Algumas das meninas e seus amigos, ficavam a especular, “é, ele não pode vir, porque está nos últimos anos do curso de direito”, que se imaginava que ele cursava na Faculdade de Direito do Recife; outros mais iam além, “é, ele deve ter casado e não quer mais saber de vir por essas bandas”, deve ter se estruturado na vida, casado, se formado em direito, advogando, não quer mais saber de Buíque não senhor! – E assim, Marcelão foi sendo esquecido pelas belas mulheres buiquense da época e pelos amigos, não de todo, porque vez por outra, sempre vinha Marcelão na conversa à boca-pequena entre as moças e os rapazotes. Parecia um mistério tanto tempo Marcelão não aparecer ou dar notícia alguma aos amigos e para as tantas paqueras que tinha em Buíque, mas deixa-estar, um dia ele haveria de aparecer, porque filho de tradicional família buiquense, não poderia deixar de aparecer um dia perdido qualquer. A notícia que dele se tinha é de que tinha se formado e estava trabalhando numa repartição pública, nada mais que isso.
      Depois de passados alguns anos, certa feita, um de seus amigos mais chegados, que passou a estudar também no Recife, andando como corriqueiramente fazia pela avenida Conde da Boa Vista, viu um sujeito de porte parecido com o de Marcelão, sempre nos trinques, bem vestido, andando meio apressado, vindo a uma certa distância em sentido contrário ao de Pedrão, colega seu de tantos tempos em Buíque e, a única diferença que foi aos poucos percebendo ao se aproximar de Marcelão cada vez mais, foi a de que ele vinha se aproximando com um andar diferente, um balançado do tipo de um lado para outro, como que rebolando e, estupefato, cada vez que se aproximava mais de Marcelão, foi que veio a descobrir que na verdade se tratava de uma grande bichona e aí, fazendo de conta que não houvera reconhecido o colega, com vergonha de sua verdadeira personalidade, de sua identidade até então mantida à sete chaves num armário, foi quando o colega o chamou, Marcelão! – Marcelão!, quando de repente ele parou, fitou para o amigo e respondeu com voz de macho, “oi Pedrão, tudo bem! – Como vai Buíque? – E as meninas, estão bem! – Com o que, educadamente, mas sem nada questionar, Pedrão respondeu com certo ar de desconforto, “é, tá tudo bem e você, como vai? – Ah!, amigo, vou bem! – Estou com pressa, vou ao trabalho! – E pronto, passou a seguir o seu caminho, agora andando normalmente como homem, mas depois de uma certa distância, em que Pedrão ficou parado, boquiaberto, ficou a observar, Marcelão começou a pausada e apressadamente a desmunhecar novamente e a andar com o trejeito de viadão que sempre fora, mas que ninguém em Buíque disso tinha conhecimento. Foi assim que o armário de Marcelão foi aberto, para surpresa de todos e de todas as meninas que tanto suspiravam quando ele chegava a Buíque, mas como o fato deixou de ser segredo e caiu na boca do povo, uma certa vez, Marcelão apareceu em Buíque travestido com a sua verdadeira personalidade e consigo trouxe uma penca de viadagem que fizeram à festa da travecagem em sua cidade, não mais com os mesmo amigos de sempre ou as lindas meninas que o assediavam, mas sim, com toda a viadagem que trouxera para mostrar quem realmente era e de que, assumira finalmente, ter saído da caixa preta de seu armário particular. E assim terminou uma grande história de amor entre homem e mulheres que nunca existiram na realidade, mas só no imaginário dos ciumentos colegas e das meninas que era doidas por um Marcelão, que na verdade, era conhecido em seu meio de seu mundo particular, como Florence, a flor do amor gay a desabrochar de um Buíque para o mundo da viadagem.

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