A CAIXA PRETA DO ARMÁRIO
Gary Cooper - Protótipo do homem másculo, foi ligado ao ator homossexual Anderson Lawler, chegando a dividir o mesmo teto, para desespero de seus agentes.
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Corria à década de final da
década de cinquenta, início da de sessenta, e naqueles tempos de moralismo ao
extremo, certos modismos que vinham surgindo mundo afora, como novos estilos
musicais, a exemplo do rock and roll e da dança do twist, era para grande
maioria da sociedade conservadora nordestina, moldada no coronelismo, nos
grandes proprietários de terras e dos senhores de engenho, não poderia ser
outro, o reflexo social para se mantar em um rigoroso determinado padrão de
modo de vida, de repúdio e reprovação daquela imoralidade.
Ninguém podia sair daquele molde padrão, porque senão era
radicalmente triturado pela sociedade de então, que passava a ver o sujeito que
quebrasse as tradições, de forma enviesada e prontamente, por exclusão não era
visto com bons olhos pela nata social vigente à época. Era um período em que o
conservadorismo com base de formação cristã, predominava e ninguém poderia sair
da linha de jeito nenhum, porque senão, era praticamente excomungado e queimado
vivo na fogueira medieval. Tempos duros para quem queria ser diferente, se sair
um pouco e se soltar mais na vida. Quem tivesse lá os seus segredos intrinsicamente
pessoais, que os guardasse somente para si mesmos e fechados à sete chaves,
porque senão, impiedosamente, a sociedade não dava tréguas a ninguém.
Acaso uma jovem fosse vista nas calçadas da Igreja Matriz se
beijando com algum namorado, vige Maria!, era um deus-nos-acuda e o nome da
moça no outro dia, estava na boca do povo. Você viu fulano! - A filha de
sicrano se beijando com o filho de beltrano! – Eita rapariga sem-vergonha da
porra, hem José Cavalcanti! – Que mulher quenga, resmungava Pedro Albuquerque
de outro canto de um boteco de pé de conversa de quem não tinha o que fazer, a
não ser falar da vida alheia. Ficar falada naqueles tempos, era coisa feia e a
moça, mesmo por um simples beijo, ficava com o nome sujo no meio da sociedade e
geralmente, as demais meninas de família, não mais queriam sequer chegar nem perto
desse tipo de “moça” que quengou desavergonhadamente com o namorado, logo nas
calçadas da Igreja Matriz, que vergonha! – Nem respeito teve pelo sagrado! - Na
verdade, nesse reprimido mundo em que viviam, as outras também, não deixavam de
fazer das suas, só que, às escondidinhas.
Foi num mundo assim, que na cidadezinha de interior, Buíque,
pequena e conservadora ainda mais, pela pequenez tanto de mentalidade de seu
povo, quando do tamanho geográfico da própria cidade, que existia também
Marcelo Joventino Albuquerque, um belo jovem, bem vestido, sempre de terno bem
alinhado, aparência de galã daqueles filmes antigos de Humphrey Bogart, que
fazia suspirar qualquer mulher que assistia aos seus filmes daqueles tempos,
pelo romantismo, do tipo galanteador e conquistador das mais lindas mulheres
nos filmes em que estrelava. Marcelo tinha uma estatura escultural mediana,
pele de tez morena clara, olhos castanhos, cabelos puxando mais para o preto,
mas era do tipo que fazia suspirar todo o mulherio da época em sua cidadezinha.
Por isso mesmo, quando estava no meio dos amigos de ocasião, era chamado por “Marcelão”,
pela aparência de galanteador e pela fama de namorador para os padrões da época,
o que seria os “comilões” do mundo atual.
Marcelão estudava na capital, Recife e vez por outra, vinha
até Buíque, visitar seus familiares e deixar as jovens da época, boquiabertas,
babando mesmo, diante de tanta formosura do tipo machão, naquele belo corpo
másculo que fazia o imaginário de qualquer mulher ficar se condoendo de paixão
por ele, até mesmo vir a ter orgasmo reprimido. Quando ele aparecia em sua
cidade, os demais colegas já ficavam entre um pé e noutro, porque não tinham
vez com elas, porque só queriam mesmo era dançar, nos bailinhos que se fazia na
época, na Escola Duque de Caxias, ao som do twist, tocado ao trompete de Tatá,
que só ele como ninguém, sabia do rebolado da dança que infernizava os pais de
famílias, à igreja católica, pelos trejeitos infernais que o som do rock and
roll, ainda em seu início, proporcionava no rebolado tanto dos homens quando da
meninas. Era coisa de enlouquecer qualquer pessoa conservadora daqueles idos em
que todo modismo começa a partir de então a mudar tudo e revolucionar o mundo. Na
verdade, todos tinham uma ponta de inveja do Marcelão, porque quando ele
aparecia em Buíque, com o seu jeito de machão, o mulherio todo em sua volta,
não tinha quem aguentasse. Os pais davam sermão em suas filhas para que não
ficassem junto daquele sujeito que dançava um modismo pecaminoso e os seus
amigos, também não gostavam, porque as mulheres só queriam mesmo era ficar com
o Marcelão e assim, a festa para eles, os namoricos, ninguém tinha vez, porque
todas só queriam ficar com o grande e galanteador homem do Recife, onde se
dizia que lá estudava e levava uma vida de boemia das melhores que se poderia
ter para os padrões daqueles tempos.
Realmente o Marcelão era um galã invejável e disputado pelas
mulheres de Buíque. Também, quem poderia resistir àquele seu jeito galanteador,
conquistador, educado e amoroso com o qual tratava as mulheres e ainda, sempre
dava uma colher de chá para dançar twist, a dança quente da época, com as mais
afoitas e isso, gerava uma ciumeira danada entre homens e mulheres. Ninguém
gostava muito quanto Marcelão vinha à Buíque, mas as mulheres, faziam à festa
diante de seu preferido galã da capital.
Por um certo tempo, Marcelão ficou sem aparecer em sua cidade
e isso demorou. Algumas das meninas e seus amigos, ficavam a especular, “é, ele
não pode vir, porque está nos últimos anos do curso de direito”, que se
imaginava que ele cursava na Faculdade de Direito do Recife; outros mais iam
além, “é, ele deve ter casado e não quer mais saber de vir por essas bandas”,
deve ter se estruturado na vida, casado, se formado em direito, advogando, não
quer mais saber de Buíque não senhor! – E assim, Marcelão foi sendo esquecido
pelas belas mulheres buiquense da época e pelos amigos, não de todo, porque vez
por outra, sempre vinha Marcelão na conversa à boca-pequena entre as moças e os
rapazotes. Parecia um mistério tanto tempo Marcelão não aparecer ou dar notícia
alguma aos amigos e para as tantas paqueras que tinha em Buíque, mas
deixa-estar, um dia ele haveria de aparecer, porque filho de tradicional
família buiquense, não poderia deixar de aparecer um dia perdido qualquer. A
notícia que dele se tinha é de que tinha se formado e estava trabalhando numa
repartição pública, nada mais que isso.
Depois de passados alguns anos, certa feita, um de seus amigos
mais chegados, que passou a estudar também no Recife, andando como
corriqueiramente fazia pela avenida Conde da Boa Vista, viu um sujeito de porte
parecido com o de Marcelão, sempre nos trinques, bem vestido, andando meio
apressado, vindo a uma certa distância em sentido contrário ao de Pedrão, colega
seu de tantos tempos em Buíque e, a única diferença que foi aos poucos
percebendo ao se aproximar de Marcelão cada vez mais, foi a de que ele vinha se
aproximando com um andar diferente, um balançado do tipo de um lado para outro,
como que rebolando e, estupefato, cada vez que se aproximava mais de Marcelão,
foi que veio a descobrir que na verdade se tratava de uma grande bichona e aí,
fazendo de conta que não houvera reconhecido o colega, com vergonha de sua
verdadeira personalidade, de sua identidade até então mantida à sete chaves num
armário, foi quando o colega o chamou, Marcelão! – Marcelão!, quando de repente
ele parou, fitou para o amigo e respondeu com voz de macho, “oi Pedrão, tudo
bem! – Como vai Buíque? – E as meninas, estão bem! – Com o que, educadamente,
mas sem nada questionar, Pedrão respondeu com certo ar de desconforto, “é, tá
tudo bem e você, como vai? – Ah!, amigo, vou bem! – Estou com pressa, vou ao
trabalho! – E pronto, passou a seguir o seu caminho, agora andando normalmente
como homem, mas depois de uma certa distância, em que Pedrão ficou parado,
boquiaberto, ficou a observar, Marcelão começou a pausada e apressadamente a desmunhecar
novamente e a andar com o trejeito de viadão que sempre fora, mas que ninguém
em Buíque disso tinha conhecimento. Foi assim que o armário de Marcelão foi aberto,
para surpresa de todos e de todas as meninas que tanto suspiravam quando ele
chegava a Buíque, mas como o fato deixou de ser segredo e caiu na boca do povo,
uma certa vez, Marcelão apareceu em Buíque travestido com a sua verdadeira
personalidade e consigo trouxe uma penca de viadagem que fizeram à festa da
travecagem em sua cidade, não mais com os mesmo amigos de sempre ou as lindas
meninas que o assediavam, mas sim, com toda a viadagem que trouxera para
mostrar quem realmente era e de que, assumira finalmente, ter saído da caixa
preta de seu armário particular. E assim terminou uma grande história de amor
entre homem e mulheres que nunca existiram na realidade, mas só no imaginário
dos ciumentos colegas e das meninas que era doidas por um Marcelão, que na
verdade, era conhecido em seu meio de seu mundo particular, como Florence, a
flor do amor gay a desabrochar de um Buíque para o mundo da viadagem.
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