OS PAPAS-FIGOS
DE BUÍQUE
Era um tempo assustador, mas
segundo as pessoas, os papas-figos de Buíque, existiam de verdade e de vez em
quando, sumia uma criancinha ou aparecia um corpo sem o fígado e o comentário
geral, era o de que o pobre rebento houvera sido vítima do papa-figo, que tinha
a mania de comer fígado de criancinhas. História um tanto esdrúxula, mas nos
meus tenros anos de idade, acreditava piamente na existência desse monstro
comedor de fígados de criancinhas e isso me fazia viver extremamente assustado.
Para todos os lugares que me dirigia, sempre ficava atento para que um monstro
desses não aparecesse para comer o meu fígado.
O papa-figo era um tipo de pessoa já de meia-idade, meio
corpulento, tinha orelhas grandes, olhar fixo e avermelhado, de meter medo com
o seu rosto horripilante, em qualquer criancinha boba. Não tinha criança que
não se assustasse com um monstrengo desses descritos pelos pais e pelas pessoas
mais velhas. Quando desaparecia uma criança, a conversa não era outra: foi o
papa-figo que pegou mais uma criança e comeu o seu fígado. O monstro tinha o
vício de comer fígado de criancinhas, principalmente as más e desobedientes aos
pais. Andar pela rústica cidade naqueles tempos, lá por volta da década de
sessenta, era assustador e de meter medo em qualquer criança, principalmente as
que vinham da zona rural, como eu mesmo. Morria de medo de papas-figos,
monstros horrendos e comedores de fígados de indefesas criancinhas.
A forma descrita como eles aliciavam às crianças, era de
atraí-las com alguns confeitos, pirulitos, pipocas e algumas quinquilharias que
tanto à meninada ainda hoje adora. Eles sempre andavam com um grande saco para prendere as crianças e carregá-las até o local onde viriam a sacrificá-las e matá-las impiedosamente. Depois disso, as levavam para algum
esconderijo ou matagal qualquer ou para suas próprias casas, que geralmente
ficavam afastadas da cidade e, ainda vivas, elas eram amarradas e, com uma
faca-peixeira afiadíssima, cortavam os corpos da presa no local onde fica
localizado o fígado, na parte do abdômen do corpo humano e de imediato, ainda
com o sangue derramando, comiam, ingeriam como quem deglute um saboroso prato,
o fígado daquela pobre e indefesa criancinha, que permanecia se debatendo até
vir a morrer. Era uma forma cruel de matar uma criança, que ao ter ainda viva,
o seu fígado arrancado, era digerido de imediato pelo papa-figo. Segundo se
comentava, era para que essas pessoas de orelhas grandes, tivessem uma audição mais
bem aguçada, por isso, de suas orelhas de abano e também, para lhes prolongar à
vida, porque o fígado das crianças que se tornavam suas presas, tinha
justamente esse poder, segundo o que o povo menos esclarecido alardeava pelos
quatro cantos da cidade.
Certa feita, ainda estudante das primeiras letras, qual não
foi o medo, o susto horripilante que passei, quando em plena luz do dia, um
desses indivíduos, que alguém já o tinha me apontado como sendo um papa-figo,
ao se deparar comigo em pleno centro da cidade, me olhou, fez um gesto de se
dirigir a mim com um olhar e cara horrendas, que não deu noutra, corri até os
pés tocarem na bunda e de imediato, cheguei a me esconder numa casa não sei de
quem, na avenida coronel Antonio Cavalcanti, morrendo de medo, com o coração
batendo a ponto de sair pela boca e comecei a chorar e o papa-figo, chegou
mesmo a se aproximar de mim, não me pegando, porque alguém da casa onde
adentrei sem pedir licença, me deu abrigo e proteção. Depois de certo tempo, vi
que o papa-figo tinha ido embora. A pessoa me deu um copo de água para atenuar
o susto e eu fui para casa, com meu fardamento escolar formado por uma calça
curta, um suspensório, uma camisa de tecido chinfrim e corri até chegar em
minha casa, com um medo danado, de arrepiar. Depois disso, sempre tive cuidado
para não mais me dar de cara com um monstrengo desses, o famigerado e abominável
papa-figo.
Depois de muito tempo foi que vim a saber, que essa história
de papa-figo, embora alguns acreditassem que eles existiram de verdade em
Buíque, era mais para assustar as crianças, a título de uma brincadeira de
mau-gosto de gente grande que gostava de fazer pilherias assustadoras de pobres
e indefesas criancinhas e, aproveitando-se dessa deixa, os pais para colocar
mais freios em seus filhos, diziam que realmente os papas-figos existiam de
verdade, principalmente para comer os fígados de crianças desobedientes, daí a
monstruosa e amedrontadora imagem tenebrosa, criada na mentalidade infantil, do
comedor de fígados de criancinhas, os papas-figos, que na verdade, nunca saíram
de minha mente de infância. Na verdade, esse papa-figo que quis me pegar, me
fez um susto dos diabos. Difícil de esquecer um susto assim quando a gente é
criança, mesmo já em elevada idade. Será que os papas-figos de hoje são iguais
os de minha infância?
NOTA: Mais um conto do meu inconsciente coletivo, que ficou incrustado em minha mente, desde à época de criança, sendo um misto de realidade, outro de ficção.
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