ASSOMBRAÇÃO
DO CEMITÉRIO DE BUÍQUE
Hoje até praça de saudade,
com calçadas pintadas de coloração amarelada, o cemitério tem, mas noutros
tempos, lá por volta da década de sessenta, nada disso existia. Até mesmo a
atual murada em volta da chamada casa dos mortos, do sono eterno e de última
morada de Buíque, parte era cercada pelo vegetal venenoso conhecido como
aveloz. Era isso mesmo. Nada de muro de alvenaria como é hoje. Túmulos, não
existiam muitos, a não ser os mais vultuosos e destacadas, lugar de sono eterno
da coronelzada que ia morrendo à época, apesar de ainda existirem alguns ainda
vivos, mas que pelo andor da carruagem, não chegariam se brincar, nos anos
setenta ou um pouco mais. Era assim a morada dos mortos de Buíque daqueles
idos. Agora quanto à pobreza, era enterrada mesmo em covas de sete palmos, com
terra fria na cara mesmo.
Existia um tradicional bebum, que era apelidado de “Zelito de
Laloca”, não lembro ao certo o verdadeiro nome dele. Só sei que ele já
amanhecia a madrugadinha, tomando suas talagadas, que era um copo americano
cheio pela proa de cachaça, e bebia de uma só goelada e não fazia cara feia.
Era o seu café da manhã. Não se alimentava praticamente de nada. Costumava
tirar o gosto com uma pitomba, um embu, ou mesmo um limão azedo, mas de comida
mesmo, nada ingeria. Como toda cidadezinha pequena, sempre tinha as suas
figuras folclóricas tradicionais, que geralmente era um bebum, um doido de
pedra, um maltrapilho sujo até a medula e uma prostituta de renome e conhecida
de todos, porém só era visitada nas caladas da noite, assim mesmo, no maior
sigilo do mundo, para ninguém saber que fulano, sicrano ou beltrano, fazia
visitas furtivas à famosa prostituta local, que tudo isto existia em nossa
rústica Buíque daquele tempo. Mesmo assim, era uma cidade telúrica, simples,
acolhedora, que vez por outra um metido a valentão matava um, agredia outros,
mas também, vez por outra, um ia para a casa de pés juntos, como também era
chamado o cemitério. Embora furtivamente se visitasse à casa da prostituta no
maior sigilo, Tia Florzinha, como era conhecida, mesmo assim, não deixava de
ser conversa de rodinhas, de turminhas fofoqueiras que sempre existiram em determinadas
localidades da cidade e, falar da vida alheia era o que mais acontecia, como se
fosse nos dias atuais.
Mas uma das coisas que deixou o povo em polvorosa, era que do
cemitério, quem por perto passasse em determinadas horas da noite, poderia ser
alvo de um assustador “malassombro”, que em elevadas horas noturnas estava
saindo de sua moradia dos mortos, e assombrando o povo, a ponto de meter medo
de o coração chegar a sair pela boca. A conversa, já que sempre existiram as
fuxicagens às mil em Buíque, logo tomou conta de toda a cidade e o comentário
de uma assombração era um prato cheio de quem geralmente não tinha lá muito o
que fazer. Era um Deus-nos-acuda dos diachos! - Muitos que se diziam machões,
chegavam até mesmo a dizer: Ah!, se eu encontrasse essa alma penada! – Ela ia
se ver comigo! – A pegaria de jeito, primeiro pra ver se era uma alma mesmo,
depois lhe iria torcer o pescoço, se vivo fosse, e tivesse fazendo assombração
ao povo por fazer, somente para assustar à nossa população ordeira, porém sempre
preguiçosa, iria acabar com ela, como se mata um bicho bruto. Nada iria sobrar
dessa assombração. Tudo conversa fiada, porque esses ditos machões, não
passavam de frouxos e amofinados na hora agá! – Buíque daquele tempo, quase não
tinha o que fazer, porque era praticamente também, um cemitério em termos de
vazio e mansidão e, quando caia à noite, aí sim, era que o vazio se tornava em
breu mesmo, pela falta de gente nas ruas da cidade e pelo domínio da escuridão,
em face da pouca iluminação existente. Se a noite em si, já metia medo no povo
pela escuridão infinda, imagine com uma assombração à solta, hem!
Depois de tantos sustos que muita gente passou, muitos
chororôs, história de pessoas que até foram socorridas para o Posto de Saúde,
único existente na cidade, que só tinha mesmo enfermeiros, isso quando tinha ou
então se procurava um pessoal que trabalhava para um setor federal que se
ocupava de combate à doenças infecto-contagiosas aqui, para atender as pessoas
do município de Buíque, chegavam a se acalmar, mas o trauma por ter visto
assombração tão assustadora, não deixava de existir como consequência
traumática no inconsciente de quem chegou a presenciar essa tenebrosa e
assustadora assombração do cemitério de Buíque.
Isso durou muito tempo. Ninguém sabe ao certo, mas foi coisa
de mais de ano que esse medo dominou muita gente que morava na cidade de
Buíque. Depois de muito susto, muita assombração, foi que veio a se descobrir
que a assombração era na realidade, o nosso tradicional “bebum”, Zezito de
Laloca, que depois de tomar todas, na boquinha da noite, com um velho capote
envolto em seu corpo, todas às noites ia dormir no cemitério, em um amparo
próximo da igrejinha onde estão sepultados os restos mortais do Padre João
Ignácio de Albuquerque e, quando chegava por volta de aproximadamente
meia-noite, ele saia do cemitério, com o velho capote, presente de alguém
piedoso, envolto em suas costas, para amparar do frio de congelar, que era
muito comum naquela época em Buíque, à busca de tomar mais alguns goles de
cachaça. Como não mais encontrava nenhum bar, bodega ou mercearia aberta, de
novo voltava ao seu “luxuoso” dormitório improvisado no cemitério local. Depois
de se desvendar esse mistério, pronto!, as assombrações de Buíque se acabaram. Zezito
de Laloca, às vezes, por algum tempo, permanecia em estado de sobriedade, ficava,
como se diz, um verdadeiro “gentleman”, “lord”, mas quando entrava na cachaça,
ia pesado na danada e não a controlando, terminava como um farrapo humano ou
como uma assombração do cemitério de Buíque. Morreu assim de repente. Não sei
se de tanta cana ingerida, ou de um fulminante infarto, como sempre acontece,
mas com certeza, a assombração de Zezito de Laloca, ainda hoje está por aí,
depois da meia-noite, a vaguear e assombrar nas proximidades do cemitério de
Buíque. Quem por lá passar depois desse horário, todo cuidado é pouco, porque
poderá se surpreender com a velha assombração de nosso tradicional “bebum” mais
tradicional e folclórico, que foi , Zezito de Laloca, principalmente se for
numa sexta-feira treze, certo minha gente!.
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