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BUÍQUE, NORDESTE/PERNAMBUCO, Brazil
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terça-feira, 5 de maio de 2015

HOJE SE PUBLICA MAIS UM CONTO NO BLOG DO MANOEL MODESTO, SOBRE UM HOMEM QUE NÃO FOI CRIVADO DE BALAS, MAS QUE TEVE O SEU CORPO DESENHADO POR TIROS DE UM REVÓLVER TRINTA E OITO EM FRENTE AO MERCADO PÚBLICO DE BUÍQUE, NA DÁCADA DE SESSENTA.

O HOMEM QUE FOI DESENHADO À BALAS


     Na não muito pacífica Buíque lá por volta do início dos anos sessenta, terra de uma leva de gente metida a ricaço da época, com a ostentação de coronéis da lei da bala, pareciam até os donos e mandantes dessa cidade. Tomavam suas cachaças em demasia, se embriagam até quando bem podiam, farrravam pra valer e gostavam de ser metidos a raparigueiros. Foi não foi, um deles arrumava uma encrenca, baleavam algum cidadão, desmoralizam outro batendo em sua cara e chegavam mesmo até a matar impiedosamente. Era o período de um Buíque sem lei, sem ordem e dominado pela lei do mais forte, em que quem podia o mais, podia o menos, na base da violência tipo faroeste americano e tudo ficava por isso mesmo, porque esse tipo de gente metida à valentona, ou era da política, tinha o ímpeto primitivista de visão social, além de gozarem da proteção dos próprios políticos do lugar.
      Nessa época, viver em Buíque, não era fácil não senhor! – Você tinha que aprender a conviver com Deus e com o Diabo, para poder levar uma vida pacata e sem ser molestado por esses tipos de valentões da época. Por isso mesmo, quem se metesse à besta e quebrasse essa ordem dentro da desordem e da ilegalidade, era passível de levar uma pizza do caceta, na base do cipó de boi, ou então, quando não, poderia chegar mesmo a ficar aleijado ou como última forma, até vir a ser morto impiedosamente e com requintes de crueldade. Difícil se viver pacificamente num lugar assim. Por isso mesmo, muitos de debandavam para São Paulo, na vão tentativa de tentar à sorte e um novo modo de vida longe de uma cidade em que imperava ainda, como nos tempos antigos, a lei do mais forte. Puro coronelismo desvairado e tresloucado ainda adotado por uma leva de valentões metidos e serem os donos do pedaço, como se a cidade fosse deles mesmos e quem não cumprisse os seus mandamentos, poderia vir a pagar com a sua própria vida.
  Foi assim, que Joaquim Severino dos Santos Xavier, homem pacato, casado com Dona Ameríndia da Silva Santos Xavier, pai de cinco filho, três homens e duas mulheres, todos ainda com pouca idade. O mais velho, Pedro Severino, tinha em torno de tão-somente dezoito anos de idade. A família era pacífica por natureza. Vivia do trabalho, da santa paz e voltados para os seus próprios problemas a cuidarem ambos, de suas próprias vidas. Joaquim dos Santos, o patriarca da família, era servidor público municipal, assim como grande parte de quem tinha um emprego e vivia de casa para o seu ofício de servidor público municipal. Não era homem de estar se metendo em confusão, quando muito, chegava só mesmo a tomar umas e outras com alguns desses próprios coronéis de plantão, para não demonstrar medo ou se fazer de amigos deles, para não vir um dia a ser molestado por ninguém daquela laia, que ele mesmo execrava e repudiava, em face de não concordar com a forma com que eles queriam ser os mandões do lugar.
  Foi justamente numa determinada ocasião dessas, ainda na década de sessenta, que Severino Santos, como era mais conhecido, foi nomeado como chefe de intendência, que tinha como obrigação, o ofício público, de não deixar animais circularem pela cidade, para dar um maior controle na questão de animais soltos pelas ruas e organizar mais à cidade, como forma de embelezar e a cidade ficar única e exclusivamente para circulação de pessoas, não de animais. Na época, a cidade era infestada por jumentos, burros, cavalos, vacaria, era uma verdadeira baderna que não tinha controle algum. Foi justamente aí, que numa determinada ocasião, Severino Santos, ordenou a apreensão de alguns bodes e cabras, sem saber sequer de quem eram àqueles animais e aí, foi que depois, veio a tomar conhecimento, que tais animais, pertenciam a um desses metidos à valentões, o coronel de meia-tigela, Seu Juventino Boiadeiro, pessoa temida na época, porque só andava com um trinta e oito na cintura, um cinturão de balas no lugar da cinta de couro normal de segurar as calças e era muito temido em Buíque daquele tempo. Mesmo assim, depois disso, Severino Santos, mesmo tendo tomado conhecimento que àqueles animais eram do “coroné” Juventino Boiadeiro, mesmo assim não esboçou nenhuma reação de medo ou temor, ou peso na consciência por ter mando recolher os animais daquele metido à valentão, para a Intendência Municipal, que era uma área nas cercanias da cidade, para onde eram recolhidos e ficavam presos, até seus donos os virem tirar, depois de pagarem uma multa e levarem os animais de volta. Muitos depois de uma medida dessas por parte do poder público, não se faziam de rogados e não mais deixavam seus animais circularem pelas ruas, outros, como o Coroné Juventino, nem foi buscar e sua atitude foi completamente diferente e tresloucada, violenta e inexplicável até os dias atuais, porque a sua atitude, embora esperado por parte de um ignorante, violento e metido à valentão, não poderia ser outra, a não ser partir para uma atitude previamente esperada, porém ninguém imaginava que pudesse acontecer algo de pior e violento.
  Revoltado por seus animais haverem sido apreendidos por Severino Santos, cumprindo determinação do prefeito em seu novo ofício, foi que o Coroné revoltado e se achando desmoralizado e humilhado por seus animais terem sido apreendidos pela prefeitura municipal, como determinava à lei, não deu outra, partiu logo para à ignorância bruta e à violência, sem medir as consequências, até mesmo de uma amizade que nutria por Severino Santos. Não demorou muito tempo e eis que de repente, numa determinada tarde daquela década de sessenta, em frente ao Mercado Público Municipal, o ignóbil e desvairado coroné de meia-tigela, de passagem com o seu antigo jeep, em frente à escola Duque de Caxias, vendo que Severino Santos estava defronte daquele prédio público, num abrir e fechar de olhos, de dentro de seu próprio veículo, um jeep daqueles antigos, de imediato puxou o seu trinta e oito, mirou em direção a Severino Santos, e descarregou sua arma sem dó nem piedade para matar um pobre ser humano, que o crime que tinha praticada, houvera sido o de cumprir a lei e determinações superiores. Na ocasião, Severino Santos, a única arma que portava nas mãos, era uma vassoura dessas de folha de coqueiro, que ao receber à chuva de balas, só fazia se movimentar de um lado para outro, como um boneco mambembe, e como que milagrosamente se livrando das balas, para surpresa geral, eis que não foi atingindo por bala nenhuma, mas praticamente o seu corpo ficou desenhado em frente ao prédio público que ainda hoje é localizado depois da casa paroquial, do lado da Igreja Matriz de São Félix de Cantalice. Ter se livrado da descarrega de um trinta e oito sem ser atingido por nenhum tiro, só podia ter sido um milagre dos Céus, achava, principalmente, quando fora desferidos, por quem tinha fama de ser um bom atirador, de boa pontaria, a ponto de jogar um moeda para o ar, atirar e furar à moeda, e de também, nunca ter errado um tiro, foi realmente um milagre, uma sorte que só poderia ser atribuída à Deus. O que se sabe é que o alvoroço nesse dia na cidade, correu os quatro cantos e por alguns dias, foi o assunto dominante do lugar e pior, é que alguns davam até razão ao Coroné de merda por ter atirado no servidor público, porque prender os animais dele, foi uma desonra. Coisa de gente ignorante e com a mentalidade da Idade da Pedra Lascada. A família de Severino Santos, que sempre fora pacífica, não esboçou nenhuma reação, mas seu filho mais velho ainda queria se vingar. Até mesmo uma espingarda de grosso calibre ainda tentou adquirir para matar o infame coroné, que tinha desonrado à família e quase matado o seu pai e isso para à época, não poderia ficar sem uma reação de jeito nenhum, mas a saída sábia foi a melhor decisão tomada na ocasião.
    Depois desse fato, a família de Severino Santos, para não ver uma desgraça maior com à família, resolveu então se debandar de Buíque para o Estado de São Paulo, onde morou por um determinado tempo, depois voltou para sua terra, mas a inimizade nunca se deu por terminada, pelo menos na mente da família da vítima, que não se dava por satisfeita em não ter se vingado de tamanha covardia com a qual fizeram com o seu pai, mesmo assim, o tempo foi passando e as coisas foram se ajustando e tudo voltou a ficar em seus devidos lugares, porém com o coroné, ninguém da família, quis mais saber de negócio. Com o passar do tempo, grande parte desses coronéis que ainda teimavam em existir em Buíque, uns foram mortos por outros valentões do mesmo naipe e, quanto ao Coroné Juventino, veio a morrer mesmo de velhice, pobre, esquecido e miserável, o que foi deplorável para quem desenhou de balas um homem na frente do Mercado Público de Buíque, vir a terminar assim na miséria, sem nada, quase mendingando e esquecido do mundo. No geral é assim mesmo que terminam os déspotas de todos os matizes, e diferente não poderia ser o destino do Coroné Juventino pelo grande mal que fez a muita gente de Buíque enquanto em vida. Teve realmente o fim merecido.

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